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Noivo Neurótico, Noiva Nervosa

(Annie Hall, 1977)
8,4
Média
900 votos
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Sua nota

Críticas

Cineplayers

Uma das grandes obras-primas que o cinema já viu é uma aula de linguagem fílmica, além de uma história cheia de ironia.

10,0

Genialidade, ironia e bom humor são marcas incomparáveis neste filme de Woody Allen, principalmente quando se trata de expurgar as dores e memórias de um romance fracassado, de modo estruturalmente inventivo e criativo ao estilo de uma apresentação dialética de piadas e relatos pessoais com uma franqueza morbidamente ácida e divertida.

Não é de se surpreender que em 1977 num ano agitado para a nova Hollywood, que fora transformada pelo vanguardismo do cinema moderno, onde se destacavam brilhantes diretores (influenciados pela Nouvelle Vague)  formados nas primeiras escolas de cinema em meados da década de 60, pudesse ser laureada uma exceção às avessas deste panorama: um franzino e anacrônico humorista de salão que já fazia no cinema americano um gênero de filmes com uma comicidade episódica e verborragicamente intelectual ser aceito por considerável público pipoca – ironicamente fora o ano dos principais blockbusters caçadores de níqueis milionários (redundância!!) como: Contatos Imediatos do Terceiro Grau e o primeiro episódio da saga bilionária de Star Wars: Uma Nova Esperança. Contudo não impediu Allen de conquistar público e crítica ao fazer um filme com uma estrutura narrativa incomum para os padrões americanos cuja empreitada lhe garantiu o Oscar de melhor filme e diretor, além de mais dois principais.

O diretor compõe aqui uma elegia bem humorada a Annie Hall (título original) interpretada pela também vencedora do Oscar, Diane Keaton. Ele costura inventivamente lembranças, diálogos e momentos sem seguir uma linearidade, contando apenas com uma linha de condução: a narração dialógica, ou seja, as cenas que se sucedem durante o filme transpõem a estrutura espaço-temporal sem se ater em uma direção intrincada, mas representam o momento do diálogo, ora se desloca ao passado, ora torna ao presente. Vale a pena destacar o prólogo que é uma espécie de confissão psicanalítica –  que já indica a flexibilidade da narrativa – feita diretamente à câmera pelo cineasta, tornando no um filme auto-reflexivo. Não somente no prólogo, mas também em seu epílogo e durante momentos pertinentemente geniais como a memorável cena em que Marshall McLuhan (célebre teórico da comunicação de massa) é puxado de trás de um cartaz num cinema para endossar o ponto de vista crítico de Alvy Singer (o próprio Allen) a um personagem pedante, somos confrontados como espectadores de um vivaz discurso fílmico autoconsciente, sem quebrar, portanto, com a fluidez e envolvência inerentes a um bom filme. O que Godard muitas vezes chega ao hermetismo para um público desprovido de formação estética, Allen consegue, num equivalente estrutural, atingir sucesso.

Apesar de ser conhecido como um cineasta com um humor predominantemente verborrágico, ele demonstra louvável domínio na expressão visual com eloqüência cinemática inigualável. Em uma seqüência, em que Alvy está jantando com a família de Annie, ele é visto pela avó como um judeu ortodoxo em um rápido plano, daí Alvy compara-os com sua família, e em split screen vemos uma típica família judia do Brooklin com seus maneirismos e comportamento distintos da superficialidade da família americana. Há flashbacks em que Alvy e Annie se vêem no passado e estão presentes fazendo comentários, o que Allen alcança é a permanência de dois tempos em um só enquadramento, jamais feita em filmes americanos convencionais e ainda utiliza animação em uma cena que funciona em coerência mútua. É uma pena não poder discriminar todos os riquíssimos usos da linguagem fílmica de que Woody Allen lança mão, principalmente quando se trata de seu filme mais prolífico imageticamente, pois seria perder a oportunidade de usufruto pleno desta obra.

O que o filme propõe esteticamente é nos identificar com as experiências dos personagens e sentirmos uma espécie de nostalgia com os relacionamentos mais marcantes que cada um de nós já tivemos, que é pontificado por vezes pelo humorista ao falar de relacionamentos; e experimentarmos um cinema que não é um guia de nossa imaginação, mas sim de nosso pensamento – Eisenstein em seus textos defende uma equivalência da forma fílmica com o pensamento pré-lógico, cuja ordem de imagens e sons se inter-relacionam para formular e comunicar uma compreensão do mundo. Fica claro que assim como Godard no início dos anos 60 fez seus filmes se remetendo à validade do corpo teórico de Eisenstein e sua montagem intelectual ao romper com a estrutura narrativa clássica e se expressar em forma de ensaio, isto é, dialeticamente; Woody Allen viu nessa possibilidade uma liberdade que fez seu filme decolar das garras do classicismo e da estrutura desconexa e episódica que já fizera em obras anteriores, criando uma teia de convergências entre todas as seqüências remetendo ao relacionamento dos protagonistas com situações periféricas.

É um espelho do comportamento dos nova-iorquinos com suas neuroses, intelectualidades e manias que os definem em contraste com a dos californianos que são vistos pelo diretor como relapsos, lunáticos e despreocupados com o que há de essencialmente vital ao ser humano. Uma visão pessimista da personalidade anti-social e humanista do diretor, apesar dos seus extremos neuróticos, que apresenta sempre uma razão agudamente perspicaz, refinada por sua ironia nova-iorquina.

Um filme que também não poderia deixar de ser uma fatia de sua autobiografia que a cada longa metragem fica mais transparente, de modo que Allen passa a ser visto por seu público com uma intimidade à distância. Parece-nos que o conhecemos como se fizesse parte de nossa convivência, algo que não sentimos com nenhum outro nem mesmo Truffaut que assumidamente filmava fragmentos de sua experiência pessoal.

Assim como o relacionamento que não queremos que termine, a fita é maravilhosamente envolvente, nos acostumamos com a presença de Alvy e Annie e queremos que nunca se finde. E em suma é um retrato das situações de todos nós que gostaríamos de na vida real controlar as circunstâncias que nos escapam, em concordância nos diz o protagonista: “... Vocês sabem que nós estamos sempre tentando fazer com que as coisas fiquem perfeitas no domínio da arte, já que isto é quase impossível na vida”.

Comentários (2)

Renata Correia Nunes | sábado, 04 de Maio de 2013 - 15:36

Esse filme é extremamente chato. Ele mais me parece um esboço de coisas melhores por vir. É indispensável por ser um turning point na carreira do Allen. Mas é chato demais. O que sobra de sofisticação falta de tato. Muito mal calculado.

Rodrigo Giulianno | domingo, 15 de Dezembro de 2013 - 22:46

Discordo da Renata!
Obra-prima! Diálogos sublimes!

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