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Críticas

Cineplayers

Atestado (mais um) da mediocridade do diretor Joel Schumacher

2,0

Número 23 é um atestado (como se fosse necessário mais um) da mediocridade de Joel Schumacher como diretor. Artesão hábil, seus filmes sempre têm atores conhecidos, orçamentos volumosos, lançamentos com espalhafato. No fim, o mesmo resultado chinfrim: cenas cafonas, excessos muitos, visual envelhecido e meio anos 80, atores canastrões mal dirigidos. Na melhor das hipóteses, nos esquecemos do filme em um par de horas.

No caso de Número 23, Schumacher conseguiu tirar o charme das produções B, pois, mesmo com elenco e custo milionários, trata-se de um filme trash (quem sabe involuntário?). Jim Carrey, em deplorável papel dramático, faz um caçador de animais urbano, pai de família e marido leal, que enlouquece ao ler um livro enigmático sobre as experiências de um adolescente com uma prostituta e a morte de seu primeiro amor, pois passa a ver em tudo códigos do número 23. Um deles, não o mais ridículo: 2/3 = 0,666, o número do diabo.

Enfim, essa paranóia do número 23 está largamente disseminada graças ao escritor Robert Anton Wilson que, junto com Robert J. Shea, escreveu uma trilogia chamada The Illuminatus na qual, entre outras coisas, criou uma pseudoreligião, o Discordianismo – está até na Wikipedia. Na rede mundial, além do site original (The 23 Enigma Explained), ganhou adeptos os mais variados que se concentram, por exemplo, em descobrir todas as referências possíveis do número 23 em cada episódio da série Lost. Foi daí que saiu a idéia do filme.

Com isso sua família sofrerá o diabo, pois o cidadão acredita que o livro é real, uma confissão de culpa de um crime. No caso, o assassinato de uma colegial, cujo professor e amante está preso, mas alega inocência. Virginia Madsen esforça-se em dois papéis, na de mulher e da femme fatale morena Fabrizia assassinada dos delírios – nesse segundo está constrangedora, como o papel pede.

Schumacher fez um amontoado de filmes ruins, como os dois Batman & Robin e Batman Eternamente (no caso, puxou para o visual camp da série televisiva dos anos 70), o ridículo Por um Fio, com o igualmente canastrão Colin Farrell (roteiro do “mestre” dos filmes B, Larry Cohen) e até um filme dito sério, Tempo de Matar, novamente com os canastrões Sandra Bullock e Matthew McConaughey (será que ele prefere trabalhar com atores ruins?), que não enganou ninguém. O auge dos rococós dispendiosos e ocos de seu cinema foi a filmagem do mega musical O Fantasma da Ópera, com resultados igualmente pífios.

Vale a pena revolver sua carreira, pois tem sempre o que há de pior em vários gêneros cinematográficos. De remake, cometeu Um Toque de Infidelidade, com a modelo Isabella Rosselini e o abominável Ted Danson na versão americana do Primo Prima, italiano. A Incrível Mulher que Encolheu traz Lily Tomlin num de seus piores momentos – além de que nem Cate Blanchett salvou Veronica Guerin. Adaptou também um best-seller medíocre de John Grisham, O Cliente, com Tommy Lee Jones, que ficou conhecido apenas pelo pedido de casamento de Schumacher, homossexual assumido, a Susan Saradon.

Filme teen de terror com vampiro? Fez também: Os Garotos Perdidos, carne de vaca na sessão da tarde e ícone dos cafonas anos 80 (tem gente que acha um verdadeiro clássico). Filme de amor açucarado? Tudo por Amor, com Julia Roberts e Campbell Scott, está no currículo do diretor, ele com câncer, rico, ela enfermeira, apaixonam-se, ele quase morre, vivem felizes para sempre. Assim, com o pé no esquecimento, segue sua carreira de tristezas: 8mm, com Nicolas Cage (ele consegue atrair atores ruins) é em tese seu filme de ação. 

Talvez seu único acerto tenha sido Ninguém é Perfeito (Flawless), um pequeno e desconhecido filme com Robert DeNiro e Philip Seymour Hoffman, sobre um policial ultraconservador que é obrigado a ter aulas de canto, dentro de um programa de reabilitação, com uma drag queen (Hoffman).

Se no Brasil estivesse, Schumacher estaria fazendo esses filmes derivados da TV Globo, com “atores” vindo da televisão. Uma espécie de Daniel Filho americano e turbinado. As bilheterias razoáveis e sua propensão em nunca se afirmar como autor, preferindo seguir as ordens dos estúdios, garantem-lhe trânsito suficiente para obras maiores e sem importância. 

Mas Número 23 traz uma boa notícia. Foi mal de bilheteria – de crítica também, mas a isso Schumacher já deve ter se acostumado (Manolha Dargis, no The New York Times, disse que o filme é uma comédia involuntária, espécie de terceira parte do caçador de animais Ace Ventura que Carrey fez antes). Mesmo em 2,2 mil cinemas, nas quatro primeiras semanas arrecadou US$ 34 milhões, que não dá nem para pagar os salários dos envolvidos. Talvez agora o diretor possa repensar sua carreira e a se dedicar a trabalhos mais consistentes. Depois de quase 20 anos produzindo bobagens incessantemente, a fórmula desse ex-figurinista deu errado para o público pela primeira vez.

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