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Críticas

Cineplayers

Uma das melhores comédias de humor negro da história do cinema. Alec Guinness interpreta nada menos que oito personagens distintos.

8,0

Reconhecidamente uma das melhores comédias de humor negro do cinema (ou pelo menos do cinema britânico), As Oito Vítimas ainda sobrevive, mais de meio século após seu lançamento, com perfeita maestria. Apesar de funcionar hoje como um filme de época mais do que nunca, por apresentar costumes antiquados, a obra é mais interessante do que quase tudo lançado no cinema atual. Seu charme, principalmente, é inegável, assim como deve ser considerada antológica a participação de Alec Guinness no longa-metragem. Ele que interpretou nada menos do que oito personagens. Um marco na história do cinema.

O enredo é admirável por ser simples e, ao mesmo tempo, cheio de pequenas complicações para nosso personagem principal. Louis é um candidato a duque que, para atingir tal título de nobreza, deve antes se livrar de oito pessoas que o antecedem na árvore genealógica de sua família, os D’Ascoyne. A solução que ele encontra para o problema é a mais óbvia: matar a todos! Para dificultar a vida de Louis, além das complicações naturais que envolvem o assassínio de tantas pessoas, ainda há um quadrado amoroso que torna tudo mais difícil (e interessante para o espectador).

O filme brinca com nosso senso de moral ao nos fazer, de forma natural, torcer pelo assassino. A frieza com que ele trata suas vítimas é espantosa, e as formas que Louis encontra para atingir seu objetivo são um dos pontos positivos do roteiro. Cada assassinato funciona como se fosse um pequeno capítulo do filme e, enquanto nenhum deles é especialmente superior aos outros (embora haja, obviamente, uns mais divertidos que outros), todos apresentam uma espécie de humor negro simplesmente perfeito.

Alec Guinness, que veio a falecer no ano 2000, e ficou conhecido principalmente por interpretar Obi-Wan Kenobi, é a grande diversão do filme. Mostrando versatilidade deliciosa, acompanhamos seus papéis um a um – em alguns deles, o ator está praticamente irreconhecível. O papel favorito do ator, segundo ele mesmo, foi o de vicário. Há uma cena onde seis membros da família interpretados pelo ator reúnem-se ao mesmo tempo. Sem contar com os recursos modernos de montagem, o diretor Robert Hammer filmou a cena em dois dias inteiros, utilizando-se de artifícios no mínimo engenhosos para a época.

As Oito Vítimas celebra suas qualidades com um final absolutamente avassalador, de uma ironia rara, proporcionando um dos melhores fechamentos que um filme de qualquer gênero poderia ter. Há uma curiosidade sobre isso: o final inglês é totalmente ambíguo (e é aí principalmente que reside sua genialidade), mas para o lançamento nos Estados Unidos os produtores optaram por deixar as coisas mais claras (não falarei nada aqui, basta pesquisar um pouco), optando por deixar a moral do filme escancarada ao espectador, o que tira um pouco a força daquela versão.

É espantoso notar que o filme, mesmo para os padrões atuais, não possui praticamente nenhum clichê. Não há cenas óbvias e o final é bastante imprevisível. E há outros pontos positivos: apesar de se tratar de uma história sobre assassinato e, portanto, morte, Hammer consegue manter um nível de sensibilidade altíssimo em suas cenas. Curioso é saber que, mesmo que as cenas amorosas entre Dennis Price (Louis) e Joan Greenwood (Sibella, que ajuda a formar o tal quadrado amoroso de que falei acima) não mostrem nenhum tipo de falta de pudor, foi por pouco que o estúdio não mandou reeditar quase todo o filme.  O motivo: Sibella era casada e estava traindo seu marido com Louis, o que era considerado avançado para a época.

As Oito Vítimas (Kind Hearts and Coronets, no original) foi um grandioso sucesso em seu lançamento. É com pesar que podemos verificar que o filme, nos dias atuais, restringe-se aos cinéfilos mais ardorosos, e o público médio (o que está no meio termo do popular e dos cinéfilos) desconhece quase que totalmente essa obra. Não é um trabalho perfeito, mas dentro do que se propõe, e considerando recursos técnicos da época, não fica muito longe disso.

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