Saltar para o conteúdo

Críticas

Cineplayers

Pequeno como filme, vale mais como um retrato social.

6,0

Outubro é um dos três meses que compõem a duração da primavera no hemisfério sul do planeta. A primavera, por sua vez, é uma estação que geralmente simboliza o renascimento, as mudanças, a esperança, o recomeço. Portanto, nada melhor do que escolher esse mês para intitular o filme de estréia na direção dos irmãos peruanos Daniel e Diego Vega Vidal, que se trata basicamente de uma história sobre as situações que a vida nos prega e que nos obriga a repensar nossos valores e modificar nossa visão sobre ela. Embora modesta e dentro do esperado, essa produção talvez não seja completa como cinema, mas suas mensagens e sua abordagem sobre a condição dos personagens é uma verdadeira aula sobre a sociedade sul americana dos nossos dias.

O cinema latino, em especial da América do Sul, anda se desenvolvendo lentamente ao longo dos anos e formando um conjunto de características bem particulares, resultantes da influência cultural, econômica, política e social da região. O mesmo acontece nos cinemas de outros continentes, mas o que se destaca aqui é a negatividade dessa influência. Com exceção do Brasil, e talvez da Argentina e do Chile, os países que compõem o sul da América são em geral bastante pobres e miseráveis, guiados por um tipo de política falha e muitas vezes corrupta. Por se tratar da realidade deles, é inevitável que esses temas pesados acabem indo parar nos enredos dos filmes de lá, que é o que acontece em Outubro (Octubre, 2010).

O personagem principal dessa trama é já uma clara representação dessa influência. Clemente (Bruno Odar) é o que podemos classificar como repugnante. Agiota frio e desprovido de qualquer característica positiva, o quarentão passa seu tempo penhorando e transando com as mais baratas prostitutas de Lima. Não demora muito até que uma delas acabe engravidando e abandonando o filho em sua porta. Se para Clemente esse bebê não significa nada, para as pessoas em volta acaba ganhando uma grande importância, atraindo assim vizinhos interessados no bem estar da criança. Forma-se então uma inusitada nova família, que precisa lidar com suas dificuldades pessoais e financeiras em função de seu mais novo membro.

Até a chegada do bebê indesejado na história, o filme se foca basicamente em causar repulsa no público diante de seu protagonista. A fotografia em tons sujos, marrons, realça a nojeira da vida dele, com direito a cenas de sexo asquerosas. Trata-se então de um começo brutal, por assim dizer, pois Clemente nada mais é do que uma representação de seu país. Sua pobreza, timidez, mesquinharia, são todas características da própria capital do Peru. Diante desse início difícil, os diretores conseguem com méritos afastar totalmente seu público de sua história, mas com uma intenção proposital de depois reverter esse quadro a partir da chegada do bebê.

Afinal, em meio a tanta coisa ruim que nos é apresentada, o bebê de uma prostituta acaba sendo o “menos pior”. A introdução dele no enredo do filme termina por simbolizar não apenas o nascimento de uma vida, mas também de uma esperança. A pureza natural dos recém-nascidos, a inocência deles diante das calamidades do mundo e sua total dependência são exatamente o oposto de tudo o que vimos até então. É tão forte essa presença positiva que não só apenas Clemente é afetado por ela, mas também vizinhos e curiosos, que de certa forma também procuram algo de bom em suas vidas infelizes. A simples figura de uma criança passa a se tornar o núcleo da trama, a razão de viver de um conjunto de personagens miseráveis.

Começa então o difícil trabalho dos irmãos Vidal em estabelecer um elo com a platéia depois de um início repugnante. O problema é que nesse ponto, que deveria ser a grande virada da trama, o clímax de tudo, encontra-se a grande falha comum em diretores inexperientes na difícil tarefa de tocar genuinamente o espectador. Pois por mais que o neném adquira um significado primaveril de renascimento, ainda prevalecem os cenários horrendos e os personagens amargurados. O filme fica nesse meio termo entre a miséria e a esperança, o que não deixa de ser um atributo realista.

Premiado com o Un Certain Regard no Festival de Cannes, Outubro é mais um retrato da sociedade miserável do que necessariamente um bom filme. Sua força se encontra no realismo, nunca apelando para soluções fáceis e finais felizes inconvincentes. Lembra muito a essência de outra produção latina deste ano, Biutiful (idem, 2010), que também se vale de personagens melancólicos levando uma vida difícil. Ainda que inferior, Outubro é um ótimo projeto de estreia e revela por trás de suas câmeras dois cineastas talentosos e inteligentes, que sabem fazer um bom uso de recursos técnicos a favor da história. Se a relativa habilidade deles não for o suficiente para nos fazer embarcar na proposta, pelo menos podemos extrair algo de bom na experiência dos dois em nos apresentar um retrato fiel das condições de sua terra natal. Exigir mais que isso só resultaria em decepção.

Comentários (0)

Faça login para comentar.