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Pague Para Entrar, Reze Para Sair

(Funhouse, The, 1981)
6,0
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120 votos
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Críticas

Cineplayers

God is watching you!

7,5
Aquilo que Pânico (Scream, 1996) veio sedimentar ainda antes da virada para o segundo milênio foi que, dentre os gêneros que o Cinema havia consolidado para si, e muito cedo, o terror seria aquele cuja autorreferencialidade, cuja capacidade de voltar-se para si mesmo e desta premissa extrair uma trama, um motif, seria mais proveitosa. Fincar um espelho diante da própria face e se alimentar de lendas de horror, contos assombrosos, e, eventualmente, da própria história de uma cinematografia, com seus códigos e operações que desembocavam neles mesmos. Mas houve um pretexto de certa forma neglicenciado pelo gênero e que estava ali o tempo inteiro, nas raízes, na própria gênese do Cinema, este que havia nascido antes como acessório de feira do que como qualquer outra coisa. Mero atrativo para o olhar entre dezenas de outras bugigangas que apelavam para a retina, foi no seio dos espetáculos da virada do século XIX para o XX que a sétima arte surgiu, já impregnada por um anseio representativo que convidasse a atenção o tempo inteiro.

Pois que é precisamente sob uma decisão retroativa que Pague Para Entrar, Reze Para Sair (The Funhouse, 1981) se articula. A princípio, arma-se um jogo como armadilha narrativa: a clássica cena da garota sensual no chuveiro, numa montagem paralela com a subjetiva de um suposto assassino que estaria se munindo da matéria-prima para o crime dentro da própria casa: entre pôsters de filmes de horror e o leque de armas na parede, uma máscara e uma faca selecionadas para dar continuidade ao assassinato. Puxada a cortina, segue-se a sequência de punhaladas e guinchos, só para que descubramos se tratar de uma travessura, jeu d'enfant representativo do Psicose (Psycho, 1960) que ri de si mesmo, como se ao horror também fosse típico o jocoso, espécie de Quasímodo que é divertido e assustador ao mesmo tempo. E da traquinice infantil que instaura a primeira referência, o segundo momento, o salto para a feira de atrações como local onde o horror possa se manifestar propriamente.

Mas também local como ponto de convergência para uma segunda variação do prazer: para além do divertimento dos brinquedos, dos peepholes com mulheres seminuas, da maconha e das aberrações dos fetos e animais como representações desse prazer declarado, barato e fácil, adentra a outra instância, e que também serve ao horror como premissa clássica: o sexo, interdito à vida dos subúrbios com sua vigilância paternal e leis estritas, pode se aflorar ali, na Funhouse (irônico?), o brinquedo que oferta aos quatro jovens a chance de virar a noite e experimentar o gozo sexual juntamente à transgressão do proibido, que é tanto a mentira perante quem os havia tolhido anteriormente, quanto o pernoite num local que não lhes é por propriedade. Espetáculo pronto: o filme dentro da feira que assiste a si mesma, com seus bonecos macabros e pervertidos, funcionários emburrados, assoalhos que chacoalham e crepitações mecânicas. Quase acima de nós, toda uma categoria de espectadores segundos, sempre oscilando entre o riso robótico e o susto infantil, programado.

E, atrelado à juventude como código de funcionamento, o acidente que a torna típica agente de uma passiva. À sua presença, ali, já está inferida, também, a descoberta das travessuras, o desvelar de um prazer escondido que é descortinado pelo adulto. Testemunhas de um crime, a intenção pueril da noite de prazeres, já interrompida pela organicidade maquínica, transmuta-se para o outro lado de seu espectro a partir de um deslize que anuncia a presença malquista. Uma vez descobertos, o terror começa a operar a partir da própria ''casa de diversões'', que se volta contra eles. A leveza da transgressão quase alcançada é obliterada pelo horror das armadilhas, alçapões, cordas e jogos de luzes. A ganância é recompensada com o desastre, o sexo se torna barganha desesperada pela vida, o barulho ensurdecedor do ferro abafa os sons da garota – ninguém pode (ou deve) ouvir as crianças. Como no clássico Monstros (Freaks, 1932), de Browning, a vingança deve partir das aberrações de que eles tanto riram. Às crianças, cristalizando em premonição a liberdade que não lhes cabe, resta o aviso da bruxa-mendiga: God is watching you!

Comentários (5)

Victor Ramos | segunda-feira, 17 de Abril de 2017 - 00:07

A ironia sempre foi um elemento comum nos slashers movies. No caso do Pague para entrar e as referências a Psicose e Halloween, essas cenas "copiadas" surgem apenas para a abertura da obra e nunca mais tornam a aparecer - convergem para uma situação específica, o que compreende um efeito de sentido específico. Sempre encarei como um momento de auto-consciência que como "cópia" propriamente dita.

Victor Ramos | segunda-feira, 17 de Abril de 2017 - 00:13

Procurei link no youtube, mas enfim, não achei. A cena oferece uma quebra de expectativa bem óbvia, deixando claro que está bebendo e assumindo de fontes conhecidas.

Caio Lucas | terça-feira, 18 de Abril de 2017 - 12:00

Texto bem confuso.

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