Saltar para o conteúdo

Críticas

Cineplayers

O brilho que reside escondido.

8,0

Alice é uma mulher comum, na faixa dos 50 anos, mãe de três filhos já criados, bem casada e feliz com seu marido, bem sucedida em sua profissão, bonita e ativa. Reconhecida como linguista e educadora, Alice está realizada e não tem nada a reclamar. Mas Alice não é britânica e o filme em questão não é dirigido por Mike Leigh, ou seja, a ruptura de tudo isso virá logo nos primeiros minutos do longa dirigido pelo casal Wash Westmoreland e o recém falecido Richard Glatzer. Eles compraram os direitos do livro de Lisa Genova sobre a luta de uma mulher contra o tempo talvez justamente por terem pouco tempo; Richard essa semana foi vencido pelo ELA recém descoberto e deixa, além de seu viúvo, um belo e incompreendido filme sobre a passagem do tempo e nossa passagem sobre ele, impresso literalmente em imagens.

Pois bem, Alice tem Alzheimer; 'porque não câncer?', diz ela e entendemos sua revolta e desespero. Se as memórias, o passado, as lembranças são importantes para todos nós, imaginem o quanto será para uma estudiosa, alguém que vive para passar adiante o conhecimento e o aprendizado? Como seguir em frente quando não há mais nada atrás? O casal decidiu então fazer do seu longa mais do que a narração dos fatos descritos no livro, e usaram a própria linguagem cinematográfica para radiografar imageticamente o passo a passo da doença em si, traduzindo-a gradativamente a cada cena. Toda ideia do filme passa a fazer em sentido em torno da doença, que se manifesta em Alice e também na fotografia, na montagem e no roteiro da produção, que ao contrário de sua personagem abraça o algoz, e tenta reproduzir para o espectador cada sentido sendo esvanecido pela chegada da devastação.

Sendo assim, o filme consegue escapar da vala comum da narração básica a qual qualquer biografia se submete e alcança algo mais, poesia diante da impossibilidade, beleza no caos. As acusações da qual o filme vem sendo apontado, tais como conservadorismo, academicismo e pejorativamente o básico "apenas um filme pra tv", no meu olhar, não se realiza e não procede, visto que ele joga com o lúdico e o poético a partir de determinado momento e não o abandona mais, até encontrar repouso na sua delicada e emocionante cena final, um refresco depois de tanta paulada sutil.

Se trata de um filme perfeito, acima de qualquer suspeita? Não. O filme não embarca em sua proposta de cara, sua trilha sonora por vezes é intrusiva e redundante, e o roteiro sabe como lidar com a estrutura criada, mas não consegue resolver questões simples, como o de detalhar dois dos filhos de Alice, que parecem pouco delineados, quase sem função. Mas pra equilibrar o jogo rumo à vitória, esse festival de sutileza só poderia contar com uma atriz gigante no epicentro de tudo. Michelle Pfeiffer e Sandra Bullock estão entre as alucinadas que jogaram o merecido Oscar no colo de Julianne Moore ao recusar papel tão talhado para premiar. No final, todos saíram ganhando: o filme, o espectador, a Academia e Moore, óbvio... Há muito merecedora de honras e loas, a atriz encontra em Alice o lugar certo para desfiar dor e doçura em meio a tanta sutileza, em todos os lugares para onde se olha. Graças a ela, Alec Baldwin e a ascendente Kristen Stewart conseguem momentos belíssimos, com a ajuda de uma fenomenal profissional no ápice de sua capacidade.

O filme ainda se encerra como uma ode à arte. A filha vivida por Stewart é uma aspirante a atriz com tudo certo e engatilhado para a carreira deslanchar, carreira essa do qual Alice é contra e que nunca apoiou. Pois é justamente essa a filha cuja responsabilidade irá crescer em determinado momento, em passagens que demonstram o desvelo e a magia da arte e dos ligados a ela, capazes de se reinventar diante das mais cruéis adversidades.

Comentários (6)

Pedro Tavares | segunda-feira, 16 de Março de 2015 - 10:46

Tem filmes ruins, tem os filmes horríveis e tem esse.

Faça login para comentar.