Saltar para o conteúdo

Parda

(Parda, 2019)
?
Sua nota

Críticas

Cineplayers

As cores que contemplam

8,5
Saquem essa premissa: um programa da TV alemã em algum momento no futuro, uma máquina de deslocamento espacial estaria buscando brasileiros na Alemanha através de um moderno sistema que apenas capturaria para o país os exemplares de cor branca pura, num regime autoritário governamental. Logo, essa máquina também faz uma leitura a respeito da coloração de cada, tudo dentro de uma condição de normalidade, ali naquele universo. A protagonista, prestes a participar do procedimento, rememora suas ações e debates que remetem às suas próprias questões de branquitude ou negritude, fazendo brotar então a curiosa narrativa construída por sua diretora. 
Tai Linhares organiza uma zona de reflexão importante e pertinente acerca de colorismo. Através desse escandaloso programa de leitura de cor (ainda que sua função reafirme posições bem definidas na nossa sociedade hoje), seu argumento trata de investigar as situações tanto particulares quanto sociais a respeito da cor da pele na atualidade, principalmente quanto a uma pressão externa pra que nos apresentemos e definirmos, que na maioria das vezes não salta aos olhos através da tonalidade de ninguém.
Propondo um diálogo entre a ficção e questões sociais reais, Tai esbarra num misto de gêneros que, embora venha sendo utilizada nesse campo da mistura com muita frequência, no caso dela oxigena a narrativa e não se prende a uma obrigação de contemplar uma ou outra voz narrativa; Tai se liberta de obrigações pra elevar o próprio material ao entendê-lo como um organismo vivo. Suas inserções ditas documentais trazem mais que camadas de discussão, e sim estabelecem a composição do quadro geral da produção, que passeia pela "realidade" reverberando não apenas a sociedade como a própria ficção.

Com textura imagética que comunique alguns lugares de ficção ultra realista, Parda é tanto um olhar sobre um futuro que é agora quanto uma "brincadeira" estético-narrativa que apresenta uma ideia literalmente nova dentro um gênero tão referenciado. A montagem ajuda o grupo de atores a permanecer dentro de um objeto cênico de realidade constante e por isso mesmo crivel, ao impor um ritmo muito orgânico ao quadro geral. Além disso, ainda apresenta debates nada reiterativos ou auto-explicativos sobre um lugar muito específico dentro das questões de raça, que costumam comumente diminuir esse debate. Ao invés disso, Tai fomenta não apenas o mesmo, como também o faz de maneira muito singular, criando Cinema sem nunca deixar de provocar, com debate e reflexão.

Crítica da cobertura da 3ª Mostra SESC de Cinema de Paraty

Comentários (0)

Faça login para comentar.