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Críticas

Cineplayers

O florir.

8,5
Num plano fechado, assistimos a um jovem cantar. Outras vozes somam-se a sua. Logo depois, a partir de um plano aberto, vemos um coral. Uma cena relativamente longa. O jovem, chamado Ari, está entre eles. Não está numa posição de destaque, mas igual a todos os outros e, igualmente todos, tem uma história na qual é personagem principal.

Dentro da concepção narrativa, há uma história acerca da adolescência vivida e aprendida num cenário de estranhos e estranhezas. E mais do que identificar níveis de relações, explicita níveis de idealizações, cujas expectativas sobre o outro condensam o panorama criado em cima de alguém que retornou para onde nascera, a região de Westfjords, local que não conhece mais. Pardais, mais do que tudo, em cima do aspecto de convivência, evidencia o quanto alguns planejamentos não dão certo. É com sutileza que isso nos é mostrado, explorando possibilidades de descobertas, de planejamentos almejados, de ritos imaginários e do quão as coisas, às vezes, não saem conforme desejadas. Pode soar clichê, mas não é, não do modo que nos apresenta.

Seu terceiro ato, já próximo ao término, traz uma sequência de cenas doces e brutais que transmitem inevitável catarse pelas condições resultadas de sonhos compartilhados: a ruína do desejo e a adaptação necessária a ela. Certa cena especificamente rompe com o ritmo, tanto quanto um choque repentino, com finalidade catártica. Sequências de boas cenas direcionam o filme até o terceiro ato, como pássaros à deriva gozando da liberdade até encontrarem um alçapão.

A obra se dá muito bem por não buscar ser maior do que é, ou seja, por se ater à genuinidade de seus fatos, por transformar a rotina de um típico adolescente com problemas naturais da idade – somados a um conflito particular com o pai – em um argumento visceral sobre desdobramentos de tal fase. O filme inteiro é realizado a partir do ponto de vista de seu protagonista, centrando em suas elaborações a respeito de cada ação vivida e personagem encontrado. Não é preciso uma narração com o objetivo de traduzir as sensações de Ari (vivido pelo sereníssimo Atli Oskar Fjalarsson). Somos levados por sua experiência de mundo e suas observações particulares. Basta ele. É como se o que qualquer outro pensasse não importasse para essa história.

O filme de Rúnar Rúnarsson é um deleite, com imagens que capturam o cenário embranquecido e frio no litoral da Islândia. O clima gélido abarca a rotina interiorana, com homens saindo do trabalho e se encontrando atrás de bebedeiras; e jovens traçando um caminho similar, em meio a flertes e provocações. Ari, que vivia em Reykjavík, capital do país, fora obrigado a se mudar a fim de viver com o pai, homem com o qual tem pouco contato. Há um óbvio comprometimento na relação entre ambos que precisa ser resolvido. Reafirmo o imenso potencial de repetição da obra como ressalto o direcionamento da mesma, apoiando-se em sua simplicidade dramática para enfatizar ainda mais sua derrocada, ao que verdadeiramente interessa aos objetivos do roteiro.

Engloba-se ainda a quebra de rotina, a reelaboração da vivência em família, a sugestão do alcoolismo, a paixão adolescente comprometida por um terceiro, o sexo e a perda. O que dá notoriedade a cada um desses elementos é a naturalização com a qual são retratados. Nada parece ser tão extraordinário ao realizador que mereça demasiada atenção, por isso tudo acontece como parte de uma narração que se transforma vagarosamente que nem seu protagonista. Finalmente, todos os artifícios são usados a fim de evocar um resplandecer cinematográfico artístico combinando arte – com direitos a planos reticentes – e veracidades – a insegurança ressentida – sobre uma série de elementos inevitavelmente questionados por nós. Daí a relação filme-público.

Transparente em aspectos dramáticos, sua cinematografia está a favor da imersão contextual. Pardais, então, revela-se ser um tributo à juventude, ao florir. Dessa forma, a estrutura dialoga com o texto, montada linearmente e sem floreios ao intento de dar a impressão de ordem nas ações. Cada uma acontece em seu tempo, mantendo ritmo de acontecimentos numa cadencia narrativa apropriada à complexidade do tema proposto, constituinte a um seguimento de amadurecimento por experimentação. A conclusão é simbolicamente um recomeço. Não temos ideia do que virá depois. Ari também não, afinal, aprendeu que o destino é aleatório.

Visto durante a 39ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo

Comentários (3)

Marcelo Leme | segunda-feira, 30 de Novembro de 2015 - 09:11

Obrigado pela leitura, Matheus. Espero que possa assisti-lo.

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