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Críticas

Cineplayers

A mais romântica e alegórica crônica sobre o fim do Velho Oeste.

9,0

Antes de produzir Pat Garret & Billy the Kid, Peckinpah (e Mann, e Leone, e tantos outros realizadores revisionistas) já havia decretado o fim da era western no Cinema, mas jamais de forma tão romântica e alegórica quanto neste monumento erguido à passagem do tempo – que muito bem pode ser encaixado como epílogo deste gênero. Em um único plano, sutilmente posicionado no início da fuga que estabelece a caminhada derradeira de Pat e Billy rumo à morte, Peckinpah de certa forma resume tom e substância de seu próprio filme: um take em contraluz mostrando a silhueta de um dos protagonistas enquanto anda a cavalo às margens de um lago, durante o crepúsculo.

É talvez o plano mais representativo de todo o Velho Oeste. Não este do filme de Peckinpah, mas a própria ação e o exercício de se fotografar o caubói em passos lentos rumando em direção a qualquer lugar, com o horizonte ao fundo, abusando de uma atmosfera romântica, épica. Mas Peckinpah filma tudo ao contrário. Não é no horizonte que se forma a silhueta – ele está encoberto por tantos outros contornos pretos que compõem a paisagem arborística da locação. O que vemos é o reflexo invertido nas águas do lago, sempre balançantes, deixando o caubói desfigurado, torto, com linhas tremulas.

O que encontramos neste Peckinpah não é o nosso Velho Oeste, aquele que tanto adoramos: vigoroso, embrutecido, musicado pelo tilintar das esporas e recheado com a macheza e violência corriqueiras do velho caubói americano. Pat Garret & Billy the Kid é a distorção, ou o fim definitivo de tudo isso, mais do que qualquer outro ensaiado anteriormente. O filme não aborda simplesmente o desencaixe do velho código de honra do Oeste, que  aos poucos foi vencido pela civilização e pelo desenvolvimento social, mas a punição a quem ainda não havia se entregado aos novos costumes, através dos quais a lei finalmente tomava o posto de maestro numa forma de tentar coibir a violência e encobrindo, automaticamente, a justiça autônoma que vingava por aquelas bandas em tempos passados.

Garret e Kid, assim sendo, representam dois lados de uma mesma moeda. Ambos são homens à moda antiga e, acima de tudo, grandes amigos, mas acabam desenvolvendo uma diferença determinante: enquanto Pat se rende ao novo modelo de sociedade que se estabelecia, Billy nega a adaptação. O fato que os coloca em lados opostos de uma mesma batalha – enquanto um permanece como caça, o outro se transforma em caçador – também motiva a melancolia que tanto as imagens, que surgem como força contrária aos ícones cristalizados pelos clássicos do western, quanto à trilha sonora de Bob Dylan, constroem através de cada seqüência.

Por sinal, o momento-chave do filme, quando Pat finalmente encontra e assassina Billy the Kid, pode ser visto também como o último suspiro do faroeste. Todos sentem, ali, o contragosto sempre explícito pelo amargor irrefutável com o qual o personagem de James Coburn mantém arduamente sua perseguição a Bill. Não simplesmente por estar realizando um trabalho do qual não se orgulha, mas por saber que, matando Billy the Kid, estaria fatalmente assassinando a si próprio – e a realidade em que viviam. A nós, portanto, resta apenas contemplar o homem caminhando por sob os raios solares, trilhando, rumo ao horizonte do deserto, passos mortos que celebram o fim de sua própria era.

Comentários (5)

Victor Ramos | segunda-feira, 19 de Setembro de 2011 - 20:39

Excelente crítica. Excelente filme.

Daniel Mendes | segunda-feira, 27 de Agosto de 2012 - 16:15

Essa crítica está excelente! O filme é OP, mas está longe de ser um dos meus favoritos do gênero.

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