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Pazucus - A Ilha do Descarrego

(Pazucus - A Ilha do Descarrego, 2017)
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Críticas

Cineplayers

A sagacidade biltre e esquizofrênica de Pazucus

8,0

“ATENÇÃO
Este filme trabalha com técnicas subliminares.
NÃO RECOMENDADO PARA GRÁVIDAS E EPILÉTICOS.
SAIA DA SALA AGORA. NÓS AVISAMOS.
Agradecemos a compreensão.”

Chegamos finalmente à "cachoeira fecal na minha boca".

Trash aloprador, experimental, biltre, infame, sensacional, vil, malandro, marau, facínora, mariola, patife, gaiato, pulha, safardana, sacripanta, amador, traste, maravilhoso e abusador. Algumas técnicas: máscaras mal ajambradas, filtros violetas/verdes/vermelhos/laranjas ordinários, nudez avulsa, gritaria sem sentido (e com), cara de pau extremada, liberdade de ação em profusão. Mais [+] adjetivos. Menos [-] substantivos. Pazucus. No material do diretor Gurcius Gewdner a intenção é pela acanalhação sem limites, onde a criatividade vem através do que é mais chocante e nauseabundo. Uma vontade pulsante em se fazer como cinema, sem quaisquer subterfúgios e filtros. Calhordice pura. Uma ameba fílmica gigante que funciona como um projeto de iconoclastia moral, social, econômica e cultural abusiva. Negócio de freio esse filme nunca usou.  

Figura. O barbudo de capa amarela nada mais é que um sujeitinho escroto e assaz desprezível que é torturado diária – e diuturnamente – por vozes de suas tripas proveniente de toletes de merda de sua vasta massa fecal (não só ele), que condicionam seu comportamento tresloucado. Que ideia maravilhosamente imunda. Essas criaturas internas se reúnem numa espécie de conselho bostal deliberativo de besteirol seboso das vísceras (sim, uma reunião de bostas vivas). Escárnio no talo. Piadas a rodo e nojeira estupidificante. Um plano-sequência em contra plongée no supermercado é destacável. Uma metralhadora giratória discursiva, desde as citações de quase todos os produtos e funções escusas dos mesmos, à até uma mangação sobre o vício do consumismo. Tudo regado a marmota e seboseira. Tudo com atuações forçadas absurdamente. Técnica Nicolas Cage terceiro-mundista. Abundância de gemidos imbecis e desesperados/desesperadores/risíveis. Já que a obra prima pelo absurdo de tudo que ela inventa de cercar, seu núcleo duro de interpretações avacalhadas prima por uma mise en scènization grosseira que verte seu abuso improvisoso como formatação de sua marreta de avacalho. É uma delícia esculhambatória.

Uso ladrão da trilha sonora (com alguns usos sujos, como de O Exterminador do Futuro (Terminator, The, 1984) e O Iluminado (Shinning, The, 1980)). Roubando horrores sonoros de filmes outros e adicionando músicas diversas, que duvido muito que se tenha pago algum direito autoral sobre elas – e assim torço pra ter sido, já que é algo que deixa a situação deste filme anárquico ainda mais sensacional. A escolha da trilha (em toda a sua exposição diversa) deve ser enaltecida por servir como contumaz parceira criminosa do ritmo, propondo tanto segurar a fita quanto ser usada como fonte salafrária primordial de esculacho. Sendo propostas num padrão des-padronizado por excelência. E o uso estupefato de trilha e das ações escrotas da obra conseguem dar um charme a mesma. Anima toda a duração deste negócio.

A narrativa inclusive se alquebra proposital e frontalmente acerca dalguns núcleos. Carlos em perambulação escutando as bostas vivas; a tal ilha do descarrego, tratada como sonho do conselho de bosta; deambulações outras; e o próprio conselho. É a curtição do Avacalho, como diria Petter Baiestorf. Um cinema cropológico por tesão quase homicida ao sarro sem censuras com a escatologia. Este abuso é conflagrado de maneira intrigante, diversa e peidorreira, onde o interesse é pela farra sem barreiras. Dentro de uma proposta aberta de um apocalypse bostal que existe sobre o fim sem objetivos estritos. É a libertinagem de sentido e imagem, que diante de sua falta de sensação ao tradicional narrativo ao qual muitos de nós estamos alienados, Pazucus busca tergiversar através do experimento com o exagero em aporte metodológico assim como escape e justificativa pra sua tresloucalidade tácita. Mesmo com uma duração de 100 minutos – que quase chega a cansar em alguns momentos, é verdade –, o filme se segura no fio da navalha da insanidade e consegue se sustentar. Deliciosamente asqueroso em sua criação, com uma montagem recortada, movimentada e funcional que serve bem à proposta.

Eu vejo este material como um vômito de inconformidade com o que é estabelecido como aceito seja cultural, social e politicamente, já que a subversão é um aporte crítico aqui usado como pura pândega e muito bom humor. Inclusive o cansaço atrelado a duração que já citei, ainda me serviu dentro dessa esfera de abuso como algo de aceitação do espectador. O excesso. É o abuso como perplexidade do que é difuso e experimentalista (e experimentação sem canalhice, demagogia e presepada, é masturbação ególatra sem graça), porém sem um verniz acadêmico e filosófico do que é aceito dentro do cinema contemporâneo. É puro suco de esculhambo suculento. Marginal. Um grande “aí dentro”, mesmo que os autores do sul do país desta fita não tenham a menor noção desta terminologia cearense.

Enfim, o “poderoso oceano fecal de trevas”. Este tipo de obra visa a contemplação de sua própria existência como qualquer outra, e o truque não é só a necessidade de provocar, mas no que consiste esta provocação e porque este material tão nojoso considerado é. Temos um filtro doutrinário ocidental enraizado por uma cristandade controladora que nos submete internamente a compelir e rejeitar tudo aquilo que esteja fora deste escopo moral que nossa conjuntura social/religiosa cristã não permita. Afinal, animais culturais que somos, acabamos por existir socialmente através do âmbito coletivo e, assim, ingerindo as mais variadas formas de controle impostas, vendidas como proibição e medo de tal maneira que se tornam repulsa. Por isso mesmo a provocação do existir desta fita é tão interessante. Não que esta porra nos leve a tecer teorias profundas sobre existencialismo cultural, cinema contemporâneo e os caralhos, mas nos traz um QUE de diversão escrota e amoral, que perpassa por núcleos e sequências que vão tanto num crescer insano quanto numa aleatoriedade visceral, onde padrão é um troço não respeitado. Choca. Fresca. Tira uma onda com a nossa incapacidade de sermos mais contraditórios, já que manter a ordem é o mais aceitável. Então, este Pazucus é esquema artesanal semi-caseiro esquizofrênico e desavergonhado, que serve como um microcosmo maluco de aspirações doentias daquilo que é descomportado no cinema (e do cinema). E chega de papo furado.

Material partícipe da 1ª Mostra de Cinema Papo Meia-Noite
Fortaleza-CE
Crítica integrante - a posteriori - do especial Abrasileiramento apropriador do Halloween

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