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Críticas

Cineplayers

Bang bang em uma selva de pedra.

8,0
"Do you feel lucky, punk?"

A introdução de Perseguidor Implacável (Dirty Harry, 1971) exibe uma pequena homenagem a policiais mortos no exercer da profissão (nomes expostos de maneira breve); mortos não de uma maneira qualquer, mas como “heróis” anônimos - cujo o máximo nível de reconhecimento que conseguiram conquistar foi uma dedicatória em forma de lista. Isso já diz muito sobre o terreno onde estamos pisando.

Lidamos, então, com um filme de ação dotado de uma base conservadora em seu discurso, algo que deverá ser constatado gradativamente ao longo de certas marcas em sua narrativa. Se trata de um trabalho de pouca racionalização acerca das temáticas com as quais termina por passear, fazendo uso do apelo emocional para justificar os fatos que ocorrem em tela, com todo e qualquer tipo de problema sendo resolvido na base dos punhos ou da bala – e com isso temos o maniqueísmo, o jogo do bem contra o mal travado em uma mesma linguagem por ambas as partes.

Todavia, também precisamos nos dar conta de que lidamos com um filme estritamente ligado às noções mais comuns de cinema popular; Perseguidor Implacável é muito mais um clássico filme de gato e rato do que algo baseado em preocupações ou interesses sociais (mesmo que o próprio filme em si seja contextualizado em fortes inclinações e justificativas para além da ficção). O que se prioriza aqui é que existe um assassino louco à solta e somente os métodos truculentos de um inspetor (Eastwood com a sua Magnum .44) será capaz de resolver a situação; o pacto formado é claro e não há dificuldades para a sua aceitação em seu universo diegético.

O olhar de Don Siegel sobre a violenta e contemporânea São Francisco constrói o que seria facilmente denominado como uma espécie de faroeste urbano (curiosamente, os italianos estavam fazendo parecido em relação ao poliziotteschi frente ao declínio do western spaguetti). A violência surge em muitos momentos sem demonstrar abalo algum sobre o universo no qual os personagens estão presentes; a brutalidade, aqui, é o meio ideal para o combate à mesma, caracterizando sobretudo o perfil badass de nosso protagonista – que atira antes para perguntar depois. A cena em que o inspetor Harry Callahan (carinhosamente apelidado à forma do título original) intervém em um assalto a banco - enquanto mastiga tranquilamente um sanduíche - exemplifica bem a mitificação cartunesca que é buscada em torno deste que é trazido para supostamente limpar a cidade.

A sensibilização utilizada para justificar as ações do protagonista está diretamente ligada aos alvos da figura antagônica: crianças, adolescentes, pessoas negras, padres etc. Ou seja, tudo é elaborado para que o público não tenha dúvidas do ódio que deverá semear pelo psicopata – como consequência, o fim justifica os meios e um senso particular de justiça (e de lei) é facilmente aceito a partir da presença da Magnum .44 e da pessoa que a está manejando. E aceitar o pacto não se trata de algo tão difícil aqui, tendo em vista que temos um espetáculo visual estonteante e o filme se destaca por isso (é Cinema, afinal); Siegel realizando as suas piruetas com a câmera (a cena da perseguição ao ônibus), tudo baseado em um belíssimo Technicolor (Clint Eastwood na cobertura de um prédio ao início do filme; o azul vivo do céu, algo de babar).

Não é tão difícil encontrar gente fazendo uma relação de influência desse filme em relação a outros, como se trata do caso de Stallone Cobra (Cobra, 1986) – em que o ator Andrew Robinson, que dá vida ao assassino Scorpio, também atua. Essa é, no entanto, uma maneira superficial de observar as coisas: Perseguidor Implacável, por mais que utilize de recursos ideológicos duvidosos e por mais que seja um genuíno filme de ação, permite-se a problematizar certas questões nas quais se baseia e consequentemente consegue alcançar algo para além do que se tem por convenção em gêneros tradicionais – algo que o outro filme citado, por exemplo, não conquista.

A última cena a ser implantada em nossa mente é a de um distintivo sendo jogado fora, um misto de revolta e frustração. Mesmo com a priorização em convergir para apenas um sentido da trama (a caça do gato ao rato), certas nuances mostram a força dramática que ronda os personagens, algo muito bem lido a partir das lentes das câmeras (o rosto de Eastwood vai ficando cada vez mais cansado no decorrer da narrativa). Mesmo após a Magnum .44 ter disparado o seu sexto tiro, a sensação que fica é a de que certos demônios não foram exorcizados. De qualquer maneira, qualquer resposta para isso fica em cheque – ninguém pode acusar esse filme de não ter a sua dignidade.

Comentários (14)

Pedro H. S. Lubschinski | quarta-feira, 24 de Fevereiro de 2016 - 08:25

Se eu tivesse grana pro Netflix eu ainda não teria dinheiro pra arrumar meu PC e ver o filme e se tivesse grana pra isso não teria grana pra bancar a internet e se tivesse grana pra isso não ficaria mais duro pq acabaria a grana pro azulzinho

Josiel Oliveira | quarta-feira, 24 de Fevereiro de 2016 - 11:01

Quando assisti ainda não tinha noção da grandeza do Don Siegel, foi o primeiro que vi dele. Preciso rever, agora com outros olhos.

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