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Pintassilgo, O

(The Goldfinch, 2019)
5,0
Média
14 votos
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Sua nota

Críticas

Cineplayers

Veredicto: excesso de material

4,0

Obras literárias sempre foram matéria prima de grandes adaptações cinematográficas, mas corre um boato de que, quanto mais premiado e incensado é um livro, maiores são as chances de sua versão para o cinema correr na direção contrária. É o caso de O Pintassilgo, adaptado do livro homônimo de Donna Tratt, vencedora do Pulitzer pela obra. Com roteiro assinado por Peter Straughan, mais uma vez acontece algo muito básico nesses casos, nos quais não é preciso ler o material prévio para perceber o quanto de desenvolvimento ficou de fora — para que tal obra ainda fizesse sentido sem abdicar de elementos em excesso, uma matemática que aqui deu muito errado.

Ao iniciarmos a narrativa sobre Theo e seu manancial de perdas, a começar pela mãe após uma explosão criminosa em um museu, o filme escolhe apurar a infância do personagem, uma bela decisão que já deixa infelizmente antever o problema narrativo que se acentuará na fase adulta do personagem e suas desventuras. Apenas o tom excessivamente épico incomoda logo pelo começo, mas O Pintassilgo retrabalha suas pretensões agigantadas aos poucos com o desenvolvimento. Porém, conforme passam uns problemas, outros se fazem presentes. E embora sua trama tenha até algum charme e trate de um lugar interessante de debate sobre como obras de arte merecem salvação tanto quanto pessoas, sobre a construção da culpa e sobre como laços muitas vezes são feitos por escolha, o longa-metragem não consegue ser firme todo o tempo.

O que deve ser construído com ritmo e sutileza no livro, a partir da segunda parte de O Pintassilgo começa a desandar e chacoalhar, misturando sentimentos, personagens, situações e propósitos a cada nova cena, fazendo cada vez menos sentido. Até se tornar completamente novelesco e negativamente abrupto, o filme acompanha suas intenções com afinco e conseguindo cumplicidade. O elenco, por exemplo, não é apenas de alto nível, eles estão realmente muito bem, praticamente todos, crianças e adultos, com destaque para o despudor de Sarah Paulson, para a sobriedade exemplar de Jeffrey Wright e para a sensibilidade à flor da pele de Nicole Kidman. Mesmo tendo belos diálogos ao seu dispor (e um bom solilóquio para Ansel Elgort), quando os blocos de acontecimentos começam a se sobrepor, essas presenças se apequenam frente a escolhas atabalhoadas narrativamente.

O diretor John Crowley (do delicado Brooklyn) se vê imerso na enorme quantidade de personagens relevantes, de cenas necessárias para construir intenções e ações, e se vê entre uma acertada contemplação inicial e uma agilidade necessária em determinado momento, indo culminar em uma trama policial que trucida a validade geral e um tipo em particular, que se despedaça. Straughan, que vinha dos fabulosos roteiros de O Espião que Sabia Demais, Os Homens que Encaravam Cabras e Frank, não conseguiu enxugar tudo que precisava num projeto que claramente pedia um formato que ampliasse todas as suas ramificações, desdobrando todas as inúmeras camadas e linhas narrativas, todas ricas e infelizmente todas replicadas aqui, sem o devido espaço para desenvolvimento que a obra exigia.

Sabendo que tinha em mãos uma obra com inúmeros pontos para desenvolver e criar, fica uma frustração pelo filme que se tentou ser, com direito a fotografia de Roger Deakins. É de se lamentar que tanto potencial vá ficando pelo caminho, com cenas apressadas e mal construídas, que inclusive mudam o tom e o clima do todo (com direito a um plot twist ruim regado a coincidência e informação absurda sendo jogada na direção do espectador dentro de um bar, que remete ao mesmo estratagema utilizado em Três Anúncios de um Crime), em nome de empilhar todo e qualquer vestígio de eventos sem muita poda do material original, que pode ser uma exigência de produção. O excesso de horizontes e tramas não permite o aprofundamento de vários personagens e situações, deixando um triste vácuo um livro tão celebrado. 

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