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Críticas

Cineplayers

Mais fácil de acompanhar que o último capítulo, mas não necessariamente melhor.

5,0

Não obstante o estrondoso sucesso em todo o mundo, nenhum exemplar da série Pirata do Caribe pode realmente ser considerado um grande filme – exceto, talvez, se palavra “grande” for atribuída à duração. Aliás, as próprias sequências da obra original, o divertido Piratas do Caribe: A Maldição do Pérola Negra (Pirates of the Caribbean: The Curse of the Black Pearl, 2003), só viraram realidade em razão dos bilhões de dólares arrecadados, uma vez que não possuem qualquer necessidade artística ou temática para existir. Na verdade, a franquia demonstrou tantos sinais de cansaço no segundo e no terceiro capítulo, especialmente na enrolada e interminável última aventura, que os produtores optaram por uma espécie de renovação, com vistas a não perder a mina de ouro que tinham em mãos. Assim, para o novo filme, Piratas do Caribe: Navegando em Águas Misteriosas (Pirates of the Caribbean: On Stranger Tides, 2011), saíram do barco tanto o diretor quanto alguns dos protagonistas, mas, obviamente, a série manteve o seu maior diferencial: o irreverente e imprevisível capitão Jack Sparrow, papel que rendeu a Johnny Depp a sua primeira indicação ao Oscar.

Quem assume o comando dessa vez, substituindo o versátil Gore Verbinski, é Rob Marshall, mais conhecido pelos musicais Chicago (Chicago, 2002) e Nine (idem, 2009) e pelo drama Memórias de uma Gueixa (Memoirs of a Geisha, 2005). O cineasta, logo de cara, parece ter compreendido que um filme como Piratas do Caribe nada mais é do que uma diversão escapista, com o objetivo de entreter por duas horas – no caso, um pouco mais. Assim, o novo capítulo da franquia aposta em uma história mais enxuta e objetiva – escrita novamente por Ted Elliot e Terry Rossio –, deixando de lado a megalomania e a incrivelmente confusa trama dos filmes anteriores. Piratas do Caribe: Navegando em Águas Misteriosas é uma aventura mais direta, que sabe aonde quer chegar e não tenta ser mais do que realmente é, o que não deixa de ser uma evolução. Ainda assim, isso não chega a ser suficiente. Mesmo que a produção, por vezes, seja capaz de atingir o seu objetivo de entreter, ela possui uma série de problemas que não a permitem encontrar seu rumo, desde as fraquezas do roteiro à direção pouco inspirada de Marshall.

Como não poderia deixar de ser, o foco é ninguém menos que Jack Sparrow. Depois de roubar a cena no primeiro filme, o pirata mais adorado do cinema foi alçado à condição de protagonista indiscutível – e, sem medo de uma afirmação temerária, é possível dizer que ainda é a única razão pela série existir. Interpretado novamente de forma descontraída por Johnny Depp, o personagem segue como o principal elemento da produção, responsável não somente pelas melhores falas, mas também pelos momentos mais divertidos. Assim como ocorria nos capítulos anteriores, Piratas do Caribe parece um filme muito mais interessante quando Sparrow está na tela, com sua mistura de afetação, covardia e – por que não? – inteligência. Em uma análise mais profunda, fica claro que o personagem mudou um pouco em relação às suas primeiras aparições: se antes ele pensava apenas em si mesmo, agora já arrisca a sua pele para salvar um simples marujo, como no início do filme. De qualquer forma, Sparrow não perdeu o seu charme e carisma, e é de sua maneira peculiar de ser que surgem cenas bacanas, como a conversa com o rei, na qual vai preparando a sua fuga sem ninguém perceber.

É uma pena, portanto, que o restante dos personagens não desperte o mesmo interesse da plateia. O capitão Barbossa de Geoffrey Rush parece ser o que mais sofre com as fragilidades do roteiro, uma vez que acaba se tornando quase um coadjuvante desta vez, sem grandes chances de brilhar – mesmo que o talento de Rush ainda consiga garantir alguns momentos divertidos. Algo semelhante ocorre com os novos personagens inseridos à série: Angelica (Penélope Cruz) jamais tem o seu papel realmente definido em tela, já que acaba não contribuindo em nada com a trama – e nem mesmo a sua relação e seus verdadeiros sentimentos em relação a Sparrow ficam claros para o espectador. Da mesma forma, a inserção de um romance entre o padre e a sereia, dois personagens secundários, poderia facilmente ter sido deixada no chão da sala de montagem, pois não traz qualquer carga dramática, servindo unicamente para prejudicar o ritmo do filme e estender a sua já longa duração. E, por último, mas igualmente mal desenvolvido, vem o pirata Barba Negra. Interpretado no piloto automático por Ian McShane, o personagem jamais convence como ameaça, principalmente pelo fato de que os seus “poderes” e a sua origem nunca são propriamente esclarecidos, deixando o herói sem um antagonista à altura.

Aliás, a inconsistência do roteiro na construção dos personagens se estende também à trama. Esta, definitivamente, é mais fácil de acompanhar do que as tentativas anteriores da série, mas ainda assim Piratas do Caribe segue devendo um enredo bem acabado, onde todas as peças se encaixam e têm razão para existir. Afinal, qual a real função dos espanhóis na narrativa? Durante boa parte do tempo, eles são completamente esquecidos e em nada contribuem com a história, revelando-se, ao final, apenas mais um artifício do roteiro que soa totalmente dispensável – o mesmo, por sinal, que já foi dito sobre o relacionamento entre o padre e a sereia. Como se não bastasse, o texto de Elliot e Rossio ainda recicla algumas ideias presentes nos filmes da própria série, além de demonstrar inclusive extrema falta de coragem ao supostamente matar um dos personagens para, logo em seguida, trazê-lo de volta à vida de uma forma que jamais fica clara. Na verdade, talvez não exista prova maior da preguiça do roteiro do que colocar Dame Judi Dench, uma das mais respeitadas atrizes da atualidade, em uma ponta sem qualquer inspiração.

Enquanto isso, a condução da história se mostra igualmente claudicante nas mãos de Rob Marshall. Chega a ser até surpreendente que um cineasta com filmes fortemente marcados pela bela fotografia tenha realizado uma produção visualmente suja, na qual é difícil compreender o que se passa na tela durante boa parte do tempo. Marshall aposta mais do que o suportável em cenas passadas quase em total escuridão, como o momento em que Sparrow e Barbossa escapam dos espanhóis, prejudicando de forma praticamente irreversível a apreciação de tais sequências. Dessa forma, as cenas de ação em Piratas do Caribe: Navegando em Águas Misteriosas ficam bastante aquém do resultado esperado em uma produção desse porte, demonstrando-se incapazes de gerar qualquer espécie de tensão ou empolgação. No entanto, justiça seja feita, o cineasta consegue criar algumas boas situações: a ambientação da cena envolvendo as sereias, por exemplo, é ótima (ainda que o seu decorrer caia novamente em confusão para a plateia), assim como a já citada fuga da sala do rei e o divertido momento no qual Sparrow, Angelica e um dos marujos ficam jogando para o ar as espadas e o recipiente contendo a lágrima da sereia.

Da mesma forma, o roteiro também tem ideias felizes, como alguns diálogos que são capazes de gerar risadas na plateia. É o caso da rápida participação de Keith Richards, na qual o "rolling stone" tem uma divertidíssima troca de palavras com Johnny Depp, com boas piadas sobre por que Sparrow foi parar em um convento e, principalmente, sobre se o pai do capitão alguma vez bebeu da Fonte da Juventude. Em outra cena, mais perto do final do filme, o personagem de Ian McShane larga outra frase que merece destaque pela lucidez, inclusive sendo capaz de gerar reflexão sobre religião e fé: “A luz da fé pode iluminar, mas a sua escuridão também é capaz de cegar”. Momentos de inspiração como estes, ainda que estejam presentes, infelizmente são esparsos e surgem aleatoriamente em meio a outros diálogos repetitivos e cenas desleixadas, sem apelo tanto para o lado do entretenimento quanto para o da inteligência.

De uma forma geral, Piratas do Caribe: Navegando em Águas Misteriosas é uma diversão apenas razoável que, se não possui valor cinematográfico ou narrativo, ao menos não se torna insuportável como entretenimento. A presença de Jack Sparrow, os ocasionais momentos de inspiração e o enredo mais fácil de acompanhar aproximam o filme de seu real objetivo, mesmo que ele jamais o consiga alcançar totalmente.

Se a indústria fosse regida pelo lado artístico, este novo e problemático capítulo seria o suficiente para que a série parasse por aqui. Mas esse mundo de sonho ainda não existe. Jack Sparrow voltará.

Comentários (2)

Adriano Augusto dos Santos | segunda-feira, 30 de Abril de 2012 - 10:44

Acho que cobram além do necessário de filmes assim.
Seu objetivo é diversão e entretenimento,nem críticas sobre outros assuntos deveria receber.

E digo que se a crítica apóia,metade (ou mais) dos espectadores teria outra opinião.

Vinícius Aranha | segunda-feira, 06 de Agosto de 2012 - 20:05

O problema é que esse Piratas 4 não funciona nem como diversão. Até analisando sobre os "princípios básicos do entretenimento hollywoodiano", ele é ruim. Não há nada ali realmente bem-feito ou destacável a não ser Jack Sparrow. Prefiro No Fim do Mundo, de longe.

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