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Críticas

Cineplayers

Um filme que não adiciona em nada o já cansado gênero, mas que tem lá suas qualidades.

5,0

Spike Lee é um dos cineastas mais engajados dos Estados Unidos. Filmes que construíram sua reputação, como Faça a Coisa Certa e Malcolm X, trazem, além de histórias brilhantemente narradas, temas com fortes críticas sociais. Foi por isso que pareceu estranho quando Lee aceitou comandar uma produção tipicamente hollywoodiana como O Plano Perfeito. O resultado é dúbio: se o diretor falha na construção de um thriller, pelo menos acerta ao não deixar de lado a contundência de seu discurso.
 
O roteiro de Russel Gerwitz acompanha Dalton Russell, um criminoso que, desde o início do filme, afirma ter bolado o plano perfeito para um assalto a banco. Com três ajudantes, ele invade um banco em Nova York, fazendo diversas pessoas como refém. É aí que entra em cena Keith Frazier, um detetive chamado para negociar com os assaltantes. Em meio a todos estes problemas, ainda surge Madeleine White, uma poderosa “solucionadora de problemas” que deve manter em segurança os segredos do dono do banco. Mas, como sempre, nada é o que parece.

O Plano Perfeito é um filme que traz muitas semelhanças com o bem-sucedido Onze Homens e um Segredo (e sua continuação). Além, é claro, de ambos terem como tema assaltos mirabolantes, são dirigidos por cineastas cultuados do cenário independentes e oferecem uma boa dose de inteligência no roteiro para deixar o espectador interessado até o final da história.

No entanto, o filme de Steven Soderbergh vence o duelo por apresentar uma galeria de personagens adoráveis, o que não acontece em O Plano Perfeito. O sempre competente Denzel Washington faz o que pode para tornar Keith Frazier algo mais do que uma mera caricatura. Talentoso, ele consegue atingir esse objetivo, adotando um estilo casual para o personagem, sempre de bom-humor (as roupas que ele usa têm grande influência nesse fato).

Mas se Washington faz a sua parte, o roteiro não é muito generoso com seu personagem. O detetive Frazier não demonstra, em nenhum momento durante todo o filme, capacidade para exercer o cargo de negociador. Na realidade, o personagem chega a cometer atos de extrema burrice, como tentar atacar o líder dos seqüestradores, sabendo que poderia pôr em risco a vida dos reféns.

Esta construção falha do “mocinho” do filme acaba prejudicando o que poderia ser a maior qualidade de O Plano Perfeito: um jogo de gato e rato psicológico entre os dois protagonistas, com um tentando antecipar a próxima jogada do outro (O Quarto do Pânico é um exemplo de sucesso deste formato). O detetive Frazier está sempre a um ou mais passos atrás do vilão, enfraquecendo a dinâmica do filme.

Aliás, a inépcia relativa ao personagem principal parece se estender a todos os policiais do filme. Em certo momento, por exemplo, os profissionais destinados a “servir e proteger” decidem agir contra os criminosos. No último instante, descobrem uma informação que certamente colocaria em perigo toda a ação, provavelmente custando vidas tanto deles quanto dos reféns. Porém, em uma lógica incompreensível, decidem seguir em frente, sem se preocupar com as conseqüências.

Da mesma forma, a história do filme jamais se afasta do comum. Sim, há algumas boas idéias espalhadas ao longo da projeção, especialmente aquelas relacionadas à execução do plano dos bandidos. Mas isso já era algo a ser esperado pelo espectador. Quem conhecia o mínimo da história do filme (ou ao menos sabia o título) sabia que a trama iria colecionar a sua dose de surpresas e reviravoltas. Uma espécie de imprevisibilidade previsível.

Além disso, algumas destas surpresas acontecidas no terceiro ato de O Plano Perfeito são arruinadas pela inserção de entrevistas acontecidas após o término dos eventos. Assim, ficamos sabendo de certos fatos antes que eles aconteçam, o que diminui a expectativa da platéia sobre como tudo irá se solucionar e quem sairá vivo da situação.

O roteiro de Gerwitz ainda é deficiente ao deixar diversos furos. Por exemplo, como o vilão interpretado por Clive Owen sabia da existência da caixa 392? Qual a sua relação com Arthur Case, o dono do banco, para conhecer não apenas o conteúdo da caixa, mas também os negócios obscuros realizados por ele no passado? Ou, também, de onde o policial tirou a suposição de que os criminosos estavam ouvindo tudo o que falavam?

Claro que um roteiro não precisa entregar tudo mastigadinho ao espectador, mas estas são perguntas que realmente prejudicam a apreciação da obra. Por outro lado, o mistério mantido em torno da personagem de Jodie Foster é uma grande sacada. Pouco se sabe sobre Madeleine White, o que colabora para manter o clima de ameaça e de dúvida quanto às ações da personagem. Somando-se a isso, a interpretação de Jodie Foster (uma das melhores atrizes americanas das últimas décadas) está no ponto certo, mantendo sempre, por trás da aparência agradável, a sensação de que esta não é uma mulher com a qual se brinca.

Outro destaque no campo das atuações recai sobre Clive Owen. Mesmo passando grande parte do filme coberto por máscara e óculos escuros, Owen é eficaz ao transmitir um clima de seriedade fundamental ao seu personagem, à medida em que combina esta característica com uma quê de benevolência. O espectador sabe que ali existe um homem disposto a fazer o que for preciso para atingir o sucesso de seu plano, mas que no fundo é uma pessoa de moral.

E já que estou falando das qualidades de O Plano Perfeito, é fundamental comentar sobre a grande diferença desta obra para as diversas outras do gênero: a crítica social. É quando aparece a mão de Spike Lee e o filme ganha em força. Em primeiro lugar, é interessante notar a pluralidade dos personagens de Lee. Dentro do banco há pessoas de diversas culturas e raças, talvez como uma forma de mostrar a diversidade dos habitantes de Nova York, ou até para representar o fato de sermos todos iguais, algo que se percebe diante de situações extremas – como um assalto a banco.

Mas o diretor não se satisfaz apenas com isso. Lee ainda encontra formas interessantes de mostrar o preconceito e a discriminação, em cenas como a do videogame do garoto, a do sikh tratado como um terrorista ou a do detetive Frazier pedindo para um policial não falar com tantas conotações raciais. Há também um breve momento, que pode passar despercebido pela platéia, quando um dos criminosos aponta rapidamente a arma para um dos reféns negros, como se estivesse provocando-o. O refém comenta: “Por que está fazendo isso comigo, cara?”. Uma cena rápida, mas uma clara e extremamente sutil referência à perseguição racial sofrida pelos negros pelos brancos.

Contando sempre com o bom-humor, O Plano Perfeito é um filme comum, cuja única novidade em relação ao gênero é mesmo a preocupação e o discurso social. Lee realizou a obra mais comercial e fraca de toda a sua carreira, mas pelo menos imprimiu, ainda que levemente, sua marca. E é apenas isso e o elenco talentoso que retiram O Plano Perfeito da mediocridade.

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