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Críticas

Cineplayers

Comédia de costumes para os novos tempos.

6,5
Em 2013, o escritor americano de ascendência cingapuriana Kevin Kwan lançou o livro Crazy Rich Asians, uma novela satírica que, assim como suas sequências China Rich Girlfriend e Rich People Problems, foram inspirados pela sua infância em Singapura e representa os costumes absurdos de ricos herdeiros de antigos clãs industriais. 

Com o sucesso, cinco anos depois chega ao cinema Podres de Ricos, com direção de John M. Chu (Truque de Mestre 2, G.I. Joe: Retaliação) e surpreende todo mundo. O fenômeno de bilheteria custou 30 milhões de orçamento e, até agora, retornou 232 milhões de dólares, feito raro para um filme que, ainda que falado em inglês, possui um elenco totalmente asiático ou asiático-americano - algo não visto desde O Clube da Felicidade e da Sorte, em 1993. E além de tudo, em plena era do cinema blockbuster vindo dos quadrinhos, é um feito e tanto conseguir colocar uma comédia romântica entre as grandes bilheterias do ano.

A história apresenta a professora de economia e filha de imigrantes Rachel Chu indo para Cingapura e conhecendo a multimilionária família do namorado Nicholas Young, e lá, entre outras figuras, tendo que lidar com amigos e amigas esnobes do parceiro, com parentes fofoqueiros e principalmente com a sogra, Eleanor. Só por isso já dá para ver uma trama que retoma o fôlego da comédias de costumes que usa como pretexto cômico as diferenças e contrastes sociais e culturais, como faziam filmes como Sabrina, 10 Coisas que Odeio em Você e Uma Linda Mulher.

Uma característica marcante do filme também é a maneira orgânica que pega essa velha e costumeira história e adapta para uma nova geração. Rachel é mal vista entre a sociedade de herdeiros de grandes fortunas, principalmente por ser uma mulher feita à mentalidade americana, frente ao costume entre as classes mais altas do país, que encara como ideal treinar os filhos para herdar as fábricas que pertencem aos mais velhos. Ou seja, gente que persegue os próprios sonhos ao invés de honrar as tradições familiares acaba sendo considerada inapropriada para o matrimônio.

Por isso não deixa de ser irônico a utilização de novas tecnologias - como a troca instantânea de mensagens que permite que em poucos minutos o namoro de Nick nos EUA já seja conhecido em Cingapura - mostre pessoas reproduzindo velhos comportamentos, como falar dos outros pelas costas, reafirmar velhos preconceitos e fazer os protagonistas vítimas de suas escolhas de não seguir as convenções.

Essa crônica sobre a vida dos ricos clãs industriais chineses, apesar de tirar grande parte do seu carisma daí - e retratar momentos absurdos como uma festa a bordo de container onde o anfitrião dispara com uma bazuca por diversão - também tropeça algumas vezes no caminho principalmente em seu cerne dramático. O filme não consegue equilibrar tanto o senso de diversão em seu senso final, descambando para um drama sentimental sobre o arco de aceitação de Rachel por Eleanor e seu pólo inverso, sobre a glamourosa socialite Astrid, prima de Nick e seu namorado Michael, eternamente envergonhado por não ser “do nível”. A mão pesa um pouco e, levado à sério, consegue se mostrar poucas vezes inventivo, excetuando alguns casos, como o jogo de Mahjong no clímax da história.

E se dá para criticar outra coisa do roteiro de Peter Chiarelli e Adele Lim é não saber iniciar ou terminar seu filme. No início, o que vemos é um flashback sobre Eleanor e o preconceito que recebia fora da Ásia que apesar de servir ao propósito de crítica social, não cola muito com o resto da narrativa, já que a mesma recomeça e é transferida para Nick e Rachel após uma elipse. O final também é um tanto apressado, onde personagens conflitantes o tempo inteiro cederam suas visões e ou somem da trama ou têm sua participação bruscamente reduzida, em nome de uma catarse de encerramento “para cima” que acabou empobrecendo os personagens dramaticamente falando.

Mas no aspecto puramente cômico, o filme é um pequeno achado, e acaba fazendo falta quando tem que sair para dar lugar ao seu escopo mais sério, como a participação da excêntrica Peik Lin e sua família extravagante, com direito à participação sempre hilária de Ken Jeong, famoso por suas participações em Community e Se Beber Não Case. São ótimas ideias de personagens como novos ricos daquela cultura, mal vistos em sua cafonice, sempre protagonizando ótimos momentos em toda sua bizarrice, ainda que sejam relegados no todo a suportes unidimensionais. Mas quando a questão é, unicamente, subverter a frágil narrativa da etiqueta, o filme cresce.

Rachel Chu, por fim, é uma personagem muito mais interessante que seu par romântico Nicholas Young, talvez um pouco idealizado demais, perfeito demais. É daquelas protagonistas que pode-se dizer que a história acontece por causa dela, em nome da sua paixão pelo namorado, de transgredir barreiras sociais em nome da felicidade. Sua história guarda uma reviravolta relativa à mãe que não se justifica além de criar mais uma complicação na história, mas sua personalidade resoluta, identificada com os novos tempos - uma mulher independente, que começou com vida humilde e tornou-se professora de teoria dos jogos em uma faculdade, e que de fato impacta a história através das escolhas, revela uma ótima personagem. 

Talvez se a obra não resolvesse apelar tanto e soubesse trabalhar melhor suas arestas e contornos, o filme seria melhor ainda. Mas da forma que está, ainda é um fenômeno plenamente justificável e uma mostra de que, em plena era das superproduções, as ideias diferenciadas podem até mesmo bater a poeira de um gênero praticamente no ostracismo, caso das comédias românticas, reconfigurando a obra para os novos tempos sem jamais parecer requentado. Todos ainda estão surpresos de Podres de Rico fazer tanto sucesso assim, mas é fato que assistindo as dúvidas sobre as razões desse sucesso vão embora em um piscar de olhos: mesma história, nova abordagem. Além do poder imortal que é saber rirmos de nós mesmos e de nossas maluquices levadas tão a sério. 

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