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Críticas

Cineplayers

A correria em detrimento da inteligência.

6,5

Andrew Niccol é um autor subestimado. Roteirista e diretor, ele é o responsável por filmes com mais substância e conteúdo do que normalmente se vê por Hollywood, partindo de interessantes argumentos para, normalmente, propor reflexões relevantes sobre a relação do ser humano com a tecnologia, como em Gattaca – A Experiência Genética (Gattaca, 1997), O Show de Truman (The Truman Show, 1998), que apenas escreveu, e S1mOne (idem, 2002). Além disso, Niccol também é a mente por trás de uma produção injustamente pouco vista, O Senhor das Armas (Lord of War, 2005), história contada de forma irônica, mas pungente, sobre o mercado negro das armas. Assim, mesmo que ainda não tenha alcançado o sucesso que talvez lhe é merecido, aqueles que conhecem o nome de Andrew Niccol sabem que, ao verem-no em um cartaz, podem esperar uma obra com boa dose de inteligência e reflexão.

Neste sentido, O Preço do Amanhã (In Time, 2011), seu mais recente trabalho, não decepciona. O ponto de partida é excelente, talvez uma das premissas mais bem sacadas dos últimos anos: em um futuro próximo (ou até uma realidade alternativa, jamais fica exatamente claro), descobriu-se uma maneira de estancar o envelhecimento. Assim que chegam aos 25 anos, as pessoas ficam com a mesma aparência; porém, o seu tempo de vida a partir daí deve ser comprado. Nessa sociedade, tempo é dinheiro e os mais ricos são aqueles com mais anos de vida, o que é marcado por um cronômetro no antebraço de cada um. Um dia de trabalho pode render alguns dias a mais e as compras, como um café, devem ser pagas em minutos. Enquanto alguns vivem - literalmente - um dia por vez, outros esbanjam tempo e se tornam quase imortais.

Trata-se, como se pode perceber, de uma ideia riquíssima, que permite um cenário com múltiplas possibilidades de desenvolvimento, inclusive capaz de gerar reflexões sobre tempo, mortalidade, ganância e diversas outras questões. E, até certo ponto, O Preço do Amanhã consegue desenvolver esta ideia de forma satisfatória. O primeiro ato do filme, no qual são estabelecidas as regras daquele mundo ao público, é indiscutivelmente o melhor que a produção tem a oferecer. As ideias são postas à mesa: a divisão por classes sociais, as casas de caridade, o hábito que as pessoas das zonas menos favorecidas têm de estar sempre correndo, as pessoas sempre aparentando a mesma idade e outros elementos inseridos na trama mostram o quanto a premissa gera incontáveis caminhos para o seu desenvolvimento. Da mesma forma, é também em seu início que O Preço do Amanhã apresenta seus principais questionamentos: se realmente pudéssemos viver para sempre, será que iríamos preferir isso?

É uma pena, no entanto, que não demore para que o filme acabe se tornando um thriller genérico situado em um mundo interessantíssimo, que jamais chega a ser totalmente explorado. Talvez por exigência do estúdio, talvez por preguiça de sua parte, Andrew Niccol cede aos lugares-comuns dos filmes comerciais norte-americanos, fazendo com que os protagonistas se apaixonem da noite para o dia e deixando a inteligência da trama de lado para preencher a tela com cenas de ação, corridas e perseguições de carro desnecessárias. A termo de comparação, nada melhor do que relembrar da própria estreia de Niccol no cinema, a ficção-científica Gattaca: provavelmente por ser um trabalho mais independente, ele baseava o seu desenvolvimento no enredo e nos personagens ao invés de apostar em cenas mais movimentadas, capazes de diluir a força e o impacto da história.

Ainda assim, mesmo que o desenrolar do roteiro acabe perdendo o potencial da trama, O Preço do Amanhã tem bons elementos para oferecer ao espectador, mesmo que acabem funcionando apenas como insights esparsos em uma produção genérica. Além das já citadas reflexões, o filme oferece campo para se pensar sobre o governo e sobre as relações humanas, ao mesmo tempo em que também funciona em seu lado estético. Niccol e o veterano Roger Deakins, diretor de fotografia, apostam de forma eficiente na utilização das cores para distinguir as diferentes zonas: enquanto nas classes baixas a paleta assume um tom mais quente e escuro, no lado abastado as cores são frias, transmitindo uma sensação de distância, além de garantir a atmosfera clean. Da mesma forma, o roteiro, mesmo favorecendo a ação, ainda se desenvolve por caminhos razoavelmente interessantes, transformando o casal de protagonistas em uma mistura de Bonnie e Clyde com Robin Hood.

Enquanto isso, também não há muito a ser comentado em relação ao elenco. Justin Timberlake já demonstrou boa presença em outros trabalhos e aqui, mais uma vez, consegue carregar o filme sem grande dificuldade - mesmo que tenha pouca abertura do material para desenvolver o personagem. O mesmo vale para Amanda Seyfried, jovem atriz talentosa e carismática, que não tem muito a fazer em O Preço do Amanhã exceto correr ao lado de Timberlake. E, se Olivia Wilde e Johnny Galecki são meros coadjuvantes de luxo, e Vincent Kartheiser (da série Mad Men) faz um vilão sem inspiração, Cillian Murphy parece ser o único a realmente se divertir no papel do agente do tempo, interpretando-o com uma mistura de androginia e jocosidade.

Com tudo isso, O Preço do Amanhã está longe de ser um filme ruim. Pelo contrário, revela-se uma aventura eficiente, com boas ideias e uma condução eficaz. O problema, aqui, não é o que a obra acabou sendo, mas o que ele poderia ter sido. Ao preferir se render às formulas batidas do cinema mainstream, Niccol perdeu a chance de construir um mundo realmente fascinante a partir de uma excelente premissa, que poderia, até mesmo, render outros filmes ou uma série. Ficou pelo meio do caminho. Uma pena. Poucas coisas são mais decepcionantes do que ver uma boa ideia desperdiçada.

Comentários (9)

Marcus Almeida | terça-feira, 22 de Novembro de 2011 - 10:36

E o diretor tem uns filmes bons no elenco, desanimei pra ver depois de ter visto o trailer e que Justin Timberlake protagonizava.

Luciana Pereira de Souza | quarta-feira, 30 de Novembro de 2011 - 10:43

Ideia excelente --> filme muito mais ou menos... em tempos de falta de criatividade, é uma pena a ideia ter sido desperdiçada desse jeito

Dnic Lima | quinta-feira, 01 de Março de 2012 - 00:35

já li muitas criticas negativas sobre esse filme e depois de assist-lo, concordo com essa critica aqui, combinou mais com a minha opinião. Gostei muito da idéia do filme, achei bem original, e me fez tb refletir.

Wellington Conegundes da Silva | quinta-feira, 27 de Dezembro de 2012 - 20:35

No final achei que tinha perdido um belo tempo da minha vida..., genial, é literalmente a proposta do filme se concretizando. A ideia é boa sem dúvida, e cada vez que o filme força a barra com mais uma situação estúpida, ofendendo a inteligência de quem assiste, até para um filme de ação, a me fez imaginar Bonnie e Clyde, ou mesmo um Karl Marx chapa quente. Ridículo

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