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Críticas

Cineplayers

A inevitável perda de fôlego.

6,0
Lançado em 2013, o primeiro Uma Noite de Crime trazia os astros Ethan Hawke (Antes do Amanhecer) e Lena Headey (Game of Thrones) como uma família nuclear de classe média-alta que geralmente se beneficia, mas acabava em uma noite específica sofrendo com o sistema em que vivem: em um futuro não muito distante, os Estados Unidos são liderados pelo partido político ultraconservador Novos Pais Fundadores, que promovem os “Expurgos”, noites anuais onde qualquer atividade ilegal está liberada.

A franquia se tornou a galinha dos ovos de ouro de seu criador, James DeMonaco, diretor e roteirista dos três prêmios filmes. E a julgar pela série de televisão que estreou esse mês e a prequel dirigida por Gerard McMurray A Primeira Noite de Crime, a “espremeção do bagaço” está longe de acabar enquanto comentar a sociedade com um terror de shopping fanfarrão ainda se provar lucrativo.

McMurray destacou-se com Código de Silêncio, seu primeiro longa-metragem, que contava de maneira dramática os extremismos dos trotes estudantis. Seu A Primeira Noite de Crime, mesmo soando a projeto de encomenda, repete a preocupação com pautas identitárias e de classe (as comunidades pobres e negras) e a violência criminosa ou institucional sofrida por esses grupos.

Diferente do primeiro filme, passado exclusivamente em uma casa, todos os Noites de Crime em diante, caso de Uma Noite de Crime: Anarquia e 12 Horas Para Sobreviver - O Ano da Eleição, repetem a mesma estrutura: uma pessoa tenta sobreviver tranquilamente ao Expurgo e, por algum motivo, tem que sair e lutar com um pequeno grupo em uma noite onde todos enlouquecem. 

Dessa vez é o caso de Nya, moradora de Staten Island, local escolhido para sediar a primeira noite de crime. A ativista social se vê obrigada a procurar o irmão Isaiah que tentou aproveitar o Expurgo para se vingar do agressivo viciado Skeletor. Acompanham a trama o traficante Dmitri, com uma relação dúbia com a violência local, o representante dos Novos Pais Fundadores Arlo Sabian e Doutora Updale, interpretada por Marisa Tomei (O Lutador), grande idealizadora e arquiteta dos Expurgos.

Roteirizado por James DeMonaco, o filme só não é uma cópia xerox dos dois anteriores porque no caso mira em uma comunidade específica em vez de pegar grupos heterogêneos que por um motivo ou outro acabem na situação. Há menos momentos soltos em decorrência disso, mas a estrutura é fielmente a mesma: jump-scares, psicopatas com roupas criativas, troca de tiros ao final, pessoas inicialmente pacíficas cedendo à violência. Nenhuma surpresa para quem já viu algum filme da série.

Mas onde a série consegue ser repetitiva, preguiçosa e conformada, paradoxalmente também tira sua maior força e carisma: o discurso. Discurso antibelicista e propositalmente satírico, com figuras que apelam para prerrogativas ultraconservadoras para dar vazão aos seus piores instintos, que sempre compõem um imaginário americano distorcido. Grande parte dos expurgadores são paródias perversas da Estátua da Liberdade, do Tio Sam, de Abraham Lincoln, Thomas Jefferson das “Rainhas do Baile”... Alguns dos assassinos se vestem como executivos, freiras ou bailarinas, em uma grande “festa à fantasia” com uma catarse a mais. Na percepção pessimista de DeMonaco portanto, não há um inimigo específico: todo homem é predador de sua própria espécie.

A coisa mais específica em A Primeira Noite de Crime, tratar sobre comunidades pobres de maioria negra e latina, também ajuda a passar um novo tom crítico, com os Novos Pais Fundadores pagando dinheiro para quem ficar em Staten Island durante o Expurgo e aumentando a cota caso a pessoa participe de atos violentos. Figuras vestidas de Ku Klux Klan ou com as roupas e simbologia típicas da “alt-right”, tornada famosa em Charlottesville em 2017, também infestam as ruas. Acuada, a comunidade local vê como única saída tomar parte da mesma “festa de violência” com a qual foram acossados.

Ainda que o filme seja catártico demais para o que seria uma situação sombria, o que acaba algo sem lógica - se os protagonistas sempre encontram meio de resistir, afinal de contas, porque ainda não surgiu uma Resistência Anti-Expurgo? Porque o combate é sempre pontual? Como tantas figuras influentes da sociedade acabam padecendo vítimas do Expurgo e o mesmo não rui? Todas essas conveniências de roteiro acabam deixando o mesmo um tanto quanto previsível.

Com ao menos dois personagens com conflitos interessantes - a ativista Nya, seus princípios inabaláveis e sua eterna luta com uma realidade quebrada e insatisfatória e o culpado traficante Dmitri, que precisa do Expurgo para ver a violência que seus atos do resto ano trazem à sua comunidade e acaba virando herói a contragosto, A Primeira Noite de Crime novamente justifica o que torna a franquia Uma Noite de Crime tão chamativa para o público - mas ao mesmo tempo também torna-se um tanto repetitivo. 

É cedo para julgar, mas a série também não somou muito, com agregadores de notas pouco entusiasmados. Talvez fosse hora de encerrar enquanto não se está muito por baixo, mas tudo depende de James DeMonaco, que há cinco anos não encosta a mão em nada que não envolva Uma Noite de Crime.

Mas no final das contas, quem diria que uma ideia tão limitada assim (não se explora nada sobre o governo dos Novos Pais Fundadores que não seja sobre os Expurgos, afinal) renderia quatro filmes e uma série em cinco anos, tornando-se uma das franquias mais robustas do terror recente? Por esse ângulo, até que combinar crítica política com terror rasteiro de shopping trouxe seus resultados.

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