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Primeiro Adeus, O

(Di yi ci de li bie, 2018)
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Críticas

Cineplayers

Explorando a China da realidade e da memória afetiva

7,5

Sem muito barulho ou didatismo, O Primeiro Adeus é o tipo de filme que retrata em vívidos detalhes a comunidade que filma, sem nunca perder uma propriedade social que o cinema pode oferecer de entrar em contato com outras realidades, de outras partes do mundo, às vezes até as mais curiosas. Como o caso da diretora Lina Wang, que filmou aqui um tributo autobiográfico à cidade de Xinjiang, onde cresceu, e retratou a comunidade de muçulmanos na China.

Wang filma a história de Isa Yasan, um garoto de família muçulmana que cuida praticamente sozinho da mãe, surda e muda por conta de consequências da meningite. Enquanto o irmão vai para a cidade estudar na faculdade e o pai tem de trabalhar, ele passa os dias com a amiga e colega de escola Kalbinur. Logo de partida, temos dois impasses no filme para o pequeno Isa: seu pai, esgotado de trabalho, considera mandar sua mãe para um asilo e os pais da melhor amiga, após os resultados dos exames, pensam em se mudar para longe para estudar mandarim. Só então uma história que leu na escola, O Primeiro Adeus, começa a fazer sentido para o pequeno.

Não há muito a ser dito em O Primeiro Adeus, mas muito a ser visto. Não são apontados responsáveis ou vilões para essas vidas difíceis; o que se sabe é que aquelas pessoas existem, e a duras penas tocam suas vidas. A cinematografia de Flint-lee evoca a todo tempo um sentimento pictórico das locações: a filosofia é capturar o indivíduo como parte do ambiente, enquadrado como mais uma figura entre tantas, centralizado apenas em momentos-chave.

Em entrevistas, Wang admitiu a admiração pelos filmes e ideias de diretores como Abbas Kiarostami (Onde fica a Casa do meu Amigo?) e o conceito de realismo poético, fimando a ficção com técnicas de documentário - cenários reais, som direto, luz natural, não-atores - e plantando os pés com vigor nas experiências subjetivas de um garoto que está crescendo e tendo que aprender as mudanças da vida, entendendo lentamente que tudo aquilo que conheceu, que parece congelado no tempo, não é eterno e eventualmente terá que se despedir de pessoas queridas. O campo cinematográfico enquadrado pela diretora é longo, com poucos cortes, muitas vezes com pouca movimentação cênica e engrandecido pelas técnicas de fotografia, que abusa de grandes planos gerais, sombras e tons crepusculares para pintar um mundo aparentemente cinzento de várias cores.

Como na típica dramaturgia contemporânea, o drama psicologizante é evitado aqui; não são enfatizados pontos cruciais e grandes redenções do personagem, tampouco há grandes inspirações morais a serem aprendidas e expressas através de discursos. Pode parecer estranho se acostumar com a noção que interessa mais no pai ensinando à filha a música que cantou para reconquistar a sua mãe; a dedicação demonstrada pelas crianças em cuidar de um pequeno bezerro; as conversas em meio à caminhadas por estradas e plantações.

Dentro dessa história sem grandes reviravoltas, o filme inclusive dá grande destaque a Kalbinur, esquecendo seu protagonista por uma boa fatia do tempo. Sua história, narrada sob seu ponto de vista, tira o personagem principal de circulação por algum tempo e, quando encerrado, demonstra seu impacto de saudade ao retornar para Isa. Não fica muito claro como as particularidades íntimas afetam o personagem que guia a história, e assim que o arco acaba, retornamos ao drama familiar deixado em suspenso. Uma quebra de ritmo e tanto.

Ainda assim, dá para dizer que Wang aparece com uma estreia no mínimo promissora, com muito potencial a ser amadurecido. Difícil em momentos comoventes e belos como quando Isa procura a mãe, gritando por ela em uma contraluz vespertina, não esperar um futuro grande filme, com uma sensibilidade já demonstrada com excelência nesse início de carreira.

Crítica da cobertura do 21º Festival do Rio

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