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Críticas

Cineplayers

Belo filme que foge do estereótipo perpetuado sobre o cinema iraniano.

7,5

Houve um tempo (mais precisamente na década de noventa) em que o cinema iraniano chegou ao Brasil como uma nova moda, que ditava as regras de como seria um filme feito no Irã, servindo mais para tachar uma cinematografia inteira e aprisionar os seus conceitos em uma camisa-de-força, tornando-a sinônimo de lentidão narrativa, pretensões filosóficas e miséria econômico-existencial. Algo difundido não apenas pelos detratores, mas sobretudo pelos novos fãs de cinema iraniano a partir do contato com dois ou três títulos alçados a uma condição de destaque provocado pela euforia advinda dos festivais e repercussões críticas da época. Cinema iraniano surgia então como novidade ganhando uma cara de filme chato e de ame ou deixe-o, restringindo-se como um suposto privilégio para um público específico.

Como qualquer modismo, esse passou longe de fazer justiça ao cinema iraniano, que não poderia ser definido apenas por uma dezena de títulos escolhidos pelos fazedores de moda. Diante desse recente Procurando Elly, muitos certamente estranhariam sua posição na cinematografia do seu país de origem, como se esta fosse tão complacente como têm sido tratada por uma parcela do público. O filme de Asghar Farhadi, ganhador do prêmio de melhor direção no Festival de Berlim de 2009, possui um atributo que não era esperado por quem carrega noções pré-concebidas em relação ao cinema americano: vitalidade. Não apenas pelo seu ritmo ágil, mas por uma força vital em sua dramaturgia, pelo vigor de sua encenação, felizmente distantes de qualquer firula estética ou narrativa.  

Elly é uma professora que resolve sair da capital Teerã para passar um fim de semana numa casa no litoral meio a contragosto, por insistência da mãe de uma de suas alunas, viajando junto com um grupo de amigos casais que também levam um outro solteiro, Ahmad, um recém-divorciado que mora na Europa e está de visita no Irã.

Aos poucos vamos desvendando suas personalidades, e os segredos dos demais viajantes. O filme começa leve, divertido e com a descontração de uma grande brincadeira, no entanto Elly permanece como um mistério. Eventuais problemas com a casa alugada logo na chegada não comprometem a atmosfera de distração do lugar, com barulho e situações armadas para que os dois solteiros possam se conhecer melhor. O filme já indicava que alguma coisa não ia muito bem com a personagem.

O fim de semana de ócio para o pequeno grupo se transforma em uma dura prova quando Elly desaparece numa hora em que estava encarregada de observar as crianças na praia. Uma das meninas tentando empinar pipa no céu, outra das crianças se afogando no mar. No desespero de todos na tentativa de salvar a criança, custam a perceber que Elly também já não está mais entre eles. Teria a moça tentado salvar o menino e se afogado? Ou aproveitou a ocasião para deixar o grupo e se isolar ou retornar para a cidade como vinha prometendo? A policia local é acionada, busca o corpo da desaparecida em alto mar, mas nada encontra. Encontram a sua mala e todos os seus pertences na casa alugada, daí acreditando que ela não poderia ter partido. No entanto, outra das mulheres revela que escondera a mala para evitar que a garota abandonasse a casa. 

A certa altura fica claro que seu paradeiro interessa bem menos do que sua figura misteriosa, e das consequências que o conhecimento (ou a falta de) do seu passado traz aos demais. É possível detectar um paralelo com o célebre A Aventura, de Antonioni, pelo mistério da ausência da personagem que parecia ser a protagonista na segunda metade do filme. Porém, se no clássico italiano os outros personagens vão perdendo gradativamente o interesse pela sorte da moça, em Procurando Elly o filme vai se construindo quase que por completo em torno das perguntas suscitadas pelo desaparecimento, entre acusações e agressões verbais que pouco ajudam. O que afinal Elly desejava? Quais os segredos que guardava apenas para si mesma? Por onde andará?  Quem é o rapaz a quem era dirigida a ultima ligação no celular encontrado entre os objetos de Elly? E como ele vai reagir quando informado do sumiço da moça? E o que realmente aconteceu com ela?

São expectativas que levam o filme para um trabalho de observação humana e social em torno de conflitos éticos e de parte da cultura iraniana, de verdades e mentiras, fatos e omissões acerca da condição feminina no país. Ao mesmo tempo, dada a sua abrangência universal, poderia ter sido realizado em qualquer outro canto do mundo que ainda assim se justificaria como um belo filme.

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