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Críticas

Cineplayers

Falta de química entre protagonistas e mão pesada do diretor entregam filme onde sentimentos jamais parecem verdadeiros.

4,0

Vou confessar: gosto imensamente de Diário de uma Paixão (The Notebook, 2004). Considero a história de Noah e Allie um dos grandes romances da última década, com uma história suficientemente interessante, ótimos personagens e, principalmente, uma inigualável química entre Ryan Gosling e Rachel McAdams. Diário de uma Paixão é baseado em um romance do escritor Nicholas Sparks, especializado no gênero, cuja mente também produziu as histórias que deram origem a filmes como Uma Carta de Amor (Message in a Bottle, 1999), Um Amor para Recordar (A Walk to Remember, 2002) e Noites de Tormenta (Nights in Rodanthe, 2008). Para quem conhece estes títulos, não é difícil perceber que as tramas de Sparks caminham no limite do sentimentalismo exagerado, quase sempre o ultrapassando – o próprio Diários de uma Paixão faz isso, mas, ao contrário dos outros, tem outras qualidades que o tornaram favorito do público.

Uma das mais recentes adaptações dos livros de Sparks é Querido John. Na história, John Tyree é um jovem soldado que, no período de licença em sua cidade natal, acaba conhecendo a estudante Savannah Curtis. Os dois vivem um breve romance antes de John voltar ao serviço e, apaixonados, decidem manter o relacionamento através de cartas enquanto ele ainda tem um dever a cumprir com o Exército. No entanto, o ataque de 11 de setembro aos Estados Unidos faz com que a unidade de John seja enviada para a guerra, o que causa um estremecimento na relação. Cabe aos dois descobrirem uma forma de manter o relacionamento vivo durante este tempo, já que descobrem que somente as cartas não serão suficientes para isso.

Dirigido pelo sueco Lasse Hallström (cuja carreira é pontuada por altos e baixos, como Regras da Vida [The Cider House Rules, 1999] e Chegadas e Partidas [The Shipping News, 2001]) a partir de um roteiro de Jamie Linden, Querido John (Dear John, 2010) traz todos os elementos presentes nos demais trabalhos originados dos livros de Nicholas Sparks: romance com excesso de sacarose, algum contratempo no meio para separar os pombinhos, cenas passadas na beira da praia e muitas frases pretensamente profundas sobre o amor. Em Querido John, porém, a grande maioria destes diálogos, são de uma pieguice embaraçosa, além de apelarem para clichês, como a conversa de John e Savannah sobre a Lua e o comentário de que, mesmo separados, eles estarão sempre unidos por estarem debaixo dela.

Aliás, o roteiro parece ter sido escrito com o único objetivo de fazer garotinhas adolescentes colocarem o filme na lista de seus favoritos. Linden desenvolve a sua história abusando de superficialidades, jogando as coisas na tela à sua própria conveniência, e não porque faz sentido à trama ou por ser coerente com os personagens. Dessa forma, vemos Savannah se apaixonando por John somente porque o rapaz pula no mar para resgatar a sua bolsa e consegue fazer fogo a partir de gravetos. Querido John não apresenta qualquer motivação para que a paixão entre os dois atinja os níveis tão altos que o filme tenta convencer, soando apenas inverossímil e, por consequência, melodramático ao extremo.

A falta de profundidade, no entanto, não se limita à origem do romance entre os protagonistas. A forma com a qual Linden aborda a trama envolvendo um amigo de Savannah que desperta a antipatia de John, por exemplo, chega a ser irritante. É o típico artifício de roteiro sem qualquer lastro dramático, criado com o único objetivo de gerar alguma espécie de conflito no enredo, por mais infantil e previsível que ele seja. O mesmo pode ser dito da “reviravolta” que acontece na metade de filme: ela surge sem qualquer propósito e totalmente na contramão do que havia sido apresentado sobre um dos personagens até então. A partir daí, Querido John acaba perdendo qualquer sinal de credibilidade que possuía junto ao público, tornando-se nada mais do que uma obra enfadonha.

E Lasse Hallström pouco faz para contornar este problema em seu trabalho como diretor. Na verdade, o cineasta até contribui para isso, realizando algumas opções que prejudicam ainda mais o filme, como o infindável quantidade de montagens. Sempre que John e Savannah estão distantes, Hallström joga na tela cenas nas quais um dos personagens lê a carta do outro, utilizando narração em off e uma trilha sonora melosa. Se uma dessas cenas isolada já é capaz de fazer o espectador se contorcer de dor, a repetição deste recurso torna-se praticamente insuportável, trazendo sérios danos ao ritmo da obra, que se torna ainda mais cansativa do que já era.

Aliás, a falta de sutileza de Hallström na condução é realmente um dos grandes problemas do filme. Seja pela trilha sonora exagerada, seja por tentar fazer de cada mínima cena algo grandioso e emocionante, o cineasta interfere a cada segundo na trama, impedindo que a história e os personagens cresçam por si só e que a trama encontre alguma ressonância sincera junto ao espectador. Em Querido John, a câmera de Hallström não é testemunha dos sentimentos de John e Savannah, mas instrumento para o artificialismo. São raros os momentos de honestidade e verdade que o cineasta consegue captar – na realidade, a parte mais emocionante do filme não é uma cena compartilhada pelos dois protagonistas, mas sim o instante no qual o rapaz conversa com seu pai no hospital.

Ao mesmo tempo, Channing Tatum e Amanda Seyfried não funcionam tão bem juntos quanto se poderia esperar para uma produção do gênero. Channing é um intérprete bastante limitado, sem capacidade dramática, o que se reflete na tela. Seyfried, por sua vez, já demonstrou ser uma atriz interessante, mas aqui não está no seu melhor - esteve infinitamente mais carismática e apaixonante em Cartas para Julieta, por exemplo. Para piorar, os dois não possuem química e isso, somado ao fato de não haver motivos para acreditar na gênese do romance entre eles, não leva o espectador a torcer para que ambos fiquem juntos. Na verdade, ainda em relação ao elenco, nem mesmo o ótimo e quase sempre confiável Richard Jenkins consegue se sair bem: seu retrato do pai autista beira a caricatura na maioria das vezes.

Ainda que o final seja de certa forma revigorante, Querido John é um produto conservador e incapaz de despertar sentimentos verdadeiros – sem contar a covardia ao não fazer qualquer comentário sobre a guerra, tema tão central ao filme. A produção pode encontrar seu público junto a quem costuma apreciar o trabalho de Nicholas Sparks, mas, como um romance, é contada com mão pesada e diversos lugares-comuns. Uma revisitada a Diários de uma Paixão vale muito mais.

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