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Críticas

Cineplayers

Red aposta tudo na pretensão aparentemente simples de fazer rir, e todos saem perdendo.

1,0

De todos os gêneros, a comédia é de longe o mais perigoso. Não que seja necessário mais talento, mais trabalho, mais esforço para atingir a mesma excelência das demais prateleiras da locadora. O problema do humor é que, quando se erra a mão, o erro salta aos olhos, intensa e instantaneamente. Jerry Seinfeld brinca com o fato de comediantes profissionais serem postos à prova diante de uma plateia composta por pessoas que não entendem rigorosamente nada do assunto, que nunca subiram num palco, que nunca escreveram uma linha de diálogo. Por que então a opinião de um bando de anônimos já sob efeito do chopp com batatinha pode derrubar ou consagrar um comediante? Porque qualquer um sabe bem o efeito que a comédia bem-sucedida precisa provocar, porque não existem regras ou parâmetros excludentes. Diferentemente de outros gêneros, tudo aqui gira em torno da obrigação de conseguir um único resultado, e é essa aparente simplicidade que ferra com muita gente. Ao contrário do suspense, da ação, do horror, do romance, o humor independe de todos os artifícios bacanas que a nossa amada sétima arte tem a oferecer; quase como se a esnobasse. O humor se basta sozinho e usa o cinema quando bem lhe convier.

Digo isso porque só há uma perspectiva pela qual Red - Aposentados e Perigosos pode ser analisado. O filme do alemão Robert Schwentke (de Plano de Vôo [Flightplan, 2005]) é uma comédia genuína para todos os efeitos, não ação com tempero cômico como erroneamente vem sendo recebido. A diferença (que também demonstra por que a comédia é uma aposta alta demais para alguns diretores, principalmente aqueles sem experiência no gênero) é que se tivesse sido talhado como apenas mais um filme de ação despretensioso, Red provavelmente seria muito divertido.

Baseado na graphic-novel que não li dos grandes Warren Ellis e Cully Hamner, que não conheço, Red se cerca de um elenco extraordinário (Bruce Willis, Morgan Freeman, John Malkovich, Helen Mirren e Brian Cox) e muita divulgação para oferecer uma imensa expectativa não correspondida. Expectativa que se estende durante a primeira meia hora de filme. Há, na verdade, uns 15 ou 20 minutos muito positivos em Red, quando Frank Moses (Bruce Willis) parte para reencontrar seus antigos companheiros (aquela velha estrutura de filmes de assalto e correlativos: prólogo / recrutamento / planejamento / execução). É o ato mais formulaico de Red, e portanto o mais difícil de dar errado. John Malkovich é o único elemento cômico que funciona realmente (ainda que por este breve espaço de tempo), como um velho doido e paranóico que acha que todos estão querendo matá-lo a qualquer momento (as brincadeiras com os mitos do serviço secreto lembram Queime Depois de Ler [Burn After Reading, 2008], mas as semelhanças cessam por aqui).

Os problemas de Red são intermináveis. O envolvimento romântico de Willis (Mary-Louise Parker) cumpre aquele canal entre o protagonista e o espectador por um tempo e, depois, já que o papel de membro feminino do time é preenchido por Helen Mirren, nada resta para Parker se não a função de um objeto catalisador de tensão (que falha, é claro) para o ato final. A subtrama entre Mirren e Brian Cox é um desastre, as piadas com Malkovich se esgotam em 10 minutos, Morgan Freeman é descartado (numa cena ridícula que pela falta de emoção parecia prenunciar o mesmo twist anterior que o envolveu, igualmente estúpido), a aura de badass de Bruce Willis (que é o insight embrionário da HQ, velhos mandando bala e chutando traseiros) falha a cada inserção, principalmente porque a oposição entre ele e o personagem de Karl Urban nunca chega a ser realmente uma rivalidade (o que, por consequência, anestesia a concórdia final). Um exemplo imediato do que era a intenção original dos roteiristas é A Supremacia Bourne (The Bourne Supremacy, 2004), com o próprio Karl Urban fazendo o rival de Matt Damon. O interessante é o gargalo criado por essa dinâmica, que na prática deixa Red sem vilão nenhum. A última cena tenta corrigir o problema, resgatando um personagem inútil do meio do filme não sem antes fracassar em mais um twist envolvendo exatamente uma troca de vilões. Nada funciona.

Ainda assim, dá pra destacar uma ou outra malandragem. Schwentke descobre a América em solucionar sua patente inabilidade narrativa ao utilizar inserções informando o tempo e o lugar onde os personagens estão em cada momento do filme, camuflando os problemas de ritmo de Red e ainda descolando uma referência “espertinha”. É mentir na cara dura para o espectador que o pretenso sarcasmo está de fato funcionando, e picaretagem à parte, é a única decisão notadamente criativa que Schwentke parece tomar ao longo do filme.

O maior de todos os problemas (ou a fonte deles), porém, sempre foi o fracasso da comédia enquanto grande força-motriz do filme. A dificuldade de transformar um filme de ação bem-humorado em uma comédia de gênero é que, no primeiro caso, se o argumento cômico falha, ainda teremos um filme de ação como qualquer outro para segurar o espectador até os créditos; no segundo caso, sendo a comédia o alicerce, quando ela cai, naturalmente, tudo vem abaixo. Red tem o ritmo de uma sitcom com plateia, tenta (e erra) uma piada por corte. Fez-se a bobagem de exigir que o caminho para o entretenimento em Red passasse necessariamente pelo humor, por isso nem Bruce Willis, Morgan Freeman e John Malkovich sustentam, nem planos do Anthony Mann e movimentos de Brian De Palma dariam jeito. Não há o que fazer.

A comédia não exige nada para funcionar, mas também não se vende por recurso algum. É uma anomalia, especialmente em relação ao cinema. Red apostou, investiu tudo que tinha nessa maldita pseudo arte ou passatempo supostamente fácil de contar piadinhas, e acabou pagando o preço. É um filme quase insuportável.

Comentários (1)

Angelão | segunda-feira, 03 de Junho de 2013 - 09:54

Mesmo não concordando com muita coisa essa é uma das críticas mais interessantes do site. Boaventura deveria escrever mais sobre o gênero.

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