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Críticas

Cineplayers

O sensacionalismo da televisão em crítica que se mantém atual.

9,0

Mais do que uma crítica cínica sobre como a programação de TV era vista em meados dos anos 70, Rede de Intrigas (Network, 1976), de Sidney Lumet, pode ser visto como uma análise fria de como nós aceitamos e consumimos todo o sensacionalismo que nos é atirado. Mesmo sendo uma visão um pouco ultrapassada, do tempo em que as TVs tinham controles gordos e telas pequenas de caixa preta, é impressionante como sua mensagem continua atual e pode ter uma releitura, baseando-se na internet, o novo modo de comunicação que entretém as pessoas e assume, nestes tempos, a posição que a TV outrora ocupou.

Tudo gira ao redor do âncora Howard Bale, que após anos de dedicação à emissora, recebe a notícia que será demitido por sua baixa audiência. Eis que, no programa seguinte, ele avisa que vai se matar ao vivo em uma semana, pois aquilo era tudo o que tinha. Isso desencadeia uma explosão na audiência do programa, que explora a quase loucura de Bale como se fosse um show, começando apenas como o novo profeta, culminando em um programa de espetáculo mesmo, com luzes, platéia, sensacionalismo e criando quase uma nova religião.

Howard Bale ficou a cargo de Peter Finch, que por muitos anos fora lembrado como o único ator a conquistar um Oscar póstumo, – ele falecera no ano seguinte ao lançamento, de ataque do coração. Esta ocasião só fora igualada em 2009, por Heath Ledger e seu Coringa macabro de Batman - O Cavaleiro das Trevas. Assim como Ledger, Finch realmente faz por merecer o prêmio, encenando quase teatralmente as profecias do novo messias tecnológico, onde a grande ironia percorria em sua mensagem: “desliguem as TVs”, sem ter a noção de que isso só atraía mais seguidores para seus espetáculos.

Essa exploração da loucura de Bale derrubou o antigo responsável pelo telejornal que ele apresentava, Max Schumacher (William Holden), por este não concordar com a exposição ao amigo. Porém, após receber a notícia de que não faria mais o jornal, Max deixa-o extrapolar uma única vez propositalmente, falando todas suas loucuras abertamente, movido pela revolta do comunicado. Quando tentou voltar atrás e preservar o amigo, era tarde demais. A ambiciosa Diana Christensen (Faye Dunaway) já havia captado a explosão de audiência que essas mensagens revoltadas e cheias de palavrões havia originada no povo e estava disposta a aproveitá-la, mesmo que isso ultrapassasse qualquer barreira da ética ou moralidade que uma emissora deveria ter.

Tratando com carinho a pessoalidade de seus personagens, Lumet insere uma interessante relação entre Max e Diana, que deveriam se odiar pelo que ela fez e está fazendo, mas acabam se aproximando pelos opostos. Ele, um senhor de meia idade já sem muitos almejos na vida; ela, uma jovem espoleta que não pára de pensar no trabalho nem em momentos íntimos. Max acaba se tornando um homem de poucas palavras, uma reflexão do que pessoas normais são perante a TV. Essa metáfora é vista pela relação de Diana, com seus discursos intermináveis, e ele próprio, que a assiste exatamente como se fosse um programa. A obsessão pelo sucesso de Diana é tanta que até se envolver com terroristas para um espetáculo ela é capaz, criando uma side story desnecessária para a trama, em uma das poucas falhas do filme.

Os dois responsáveis pela emissora, Frank Hackett (Robert Duvall, novo, mas já careca) e Edward George Ruddy (William Prince), representam a bruta discrepância da programação: enquanto um preza pelo jornalismo sério e informativo (Ruddy), o outro só quer saber de números e resultados, sem se importar com os meios (Hackett). Um pequeno spoiler: quando Ruddy falece, não é apenas seu personagem que está morrendo, mas também o jornalismo sério da emissora, que está indo para o ralo a mercê de pessoas desesperadas que só pensam a curto prazo, sem se importar com os males a longo prazo de suas ações.

Flertando levemente com a hipocrisia, afinal, o cinema hoje possui seus exemplares vendidos e apelativos, Rede de Intrigas se salva por, no fim, revelar que suas intenções são muito mais humanas do que tecnológicas. Não é com a programação de TV que Lumet está preocupado, mas sim com as pessoas que a estão consumindo – e é para elas que suas críticas são direcionadas. Passivas, no sofá, quase nunca param para pensar no que estão vendo. E não é assim até os dias atuais? Cabe ao público reverter esse papel de máquina consumista. A mensagem foi dada, mais de trinta anos atrás, mas até hoje não foi captada.

Comentários (1)

Anderson Placido | sexta-feira, 31 de Julho de 2015 - 04:34

Kkkkk "Robert Duvall, novo, mas já careca!" Você acredita que pensei o mesmo, quando assisti? (risos)

Sabe Rodrigo, essa parte do grupo terrorista ficou meio subentendida pra mim ao longo do filme mas acho que foi necessária para o desfecho, você não acha?? Ficou mais "palpável"... Mais verossímil o desfecho graças à esse "side story" ;))))

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