Saltar para o conteúdo

Críticas

Cineplayers

Um bom filme de ação, mas decepcionante pela falta de ousadia e ambição ao tratar um tema tão sério de forma rasa.

6,0

Rede de Mentiras tinha tudo para dar certo. Roteirista recém-oscarizado, um dos mais consagrados diretores do cinema americano, elenco formado por dois excelentes atores e um tema de extrema relevância para o mundo atual. As cartas estavam todas na mesa. Infelizmente, os jogadores não conseguiram montar um bom jogo. Ainda que esteja longe de ser um filme ruim, pode-se dizer que Rede de Mentiras é uma produção decepcionante, que peca pela falta de ousadia e coragem ao abordar de maneira superficial um assunto tão complexo.

Inspirado no livro homônimo de David Ignatius, Rede de Mentiras conta a história de Roger Ferris, um agente da CIA atuando no Oriente Médio em busca de um terrorista responsável por diversos atentados. Supervisionado por Ed Hoffman, que comanda tudo de seu terreno seguro nos Estados Unidos, Ferris precisa trabalhar junto com a inteligência jordaniana para montar um plano que faça o terrorista sair da toca, ao mesmo tempo em que dá início a um relacionamento com uma moça local.

Dirigido por Ridley Scott (Gladiador) a partir do roteiro de William Monaham (Os Infiltrados), Rede de Mentiras é mais uma produção recente a montar sua trama central em torno do tema terrorismo e guerra no Iraque. Porém, o filme está mais para O Reino, que priorizava a ação ao invés da reflexão, do que Leões e Cordeiros, que fazia o contrário e levava o espectador a pensar sobre os acontecimentos. O roteiro não se prende a análises ou críticas políticas, nem aborda as conseqüências da guerra sobre as vidas humanas. A intenção de Scott e Monaham parece ser, unicamente, a construção de um thriller de ação que prenda a atenção por duas horas e nada mais.

Se esse era o objetivo, ele foi alcançado. Rede de Mentiras é uma aventura de espionagem conduzida com a competência de sempre por Scott e que conta com um enredo suficientemente bem amarrado. Ainda que superficial e não tão complexo quanto se poderia esperar, o roteiro não deixa grandes pontas soltas e é dinâmico para fazer com que o ritmo da produção seja bastante vertiginoso. Scott, aliás, colabora para isso ao construir cenas de ação eficientes e explorar a interessante contradição entre os norte-americanos serem prejudicados por sua própria tecnologia na luta contra os rústicos homens do deserto.

Por outro lado, a história é falha em diversos pontos, como na construção dos personagens. Ao focar simplesmente na busca pelo terrorista, Rede de Mentiras jamais permite que o espectador conheça aqueles personagens. Hoffman, por exemplo, permanece um verdadeiro mistério durante toda a produção. Ainda que Russel Crowe use todo o seu talento para transformá-lo em uma figura carismática e levemente cômica, pouco se sabe sobre o personagem além do fato de que ele toma decisões capazes de influenciar o mundo enquanto leva o filho ao banheiro ou assiste o futebol de sua filha – idéia que Scott esgota ao repeti-la. Além disso, outras questões ficam no ar O que Hoffman faz? Qual seu cargo? Para quem e por que razão ele apresentou aquelas idéias no começo do filme? Por que frustrou duas ações de Ferris com planos paralelos?

Enquanto isso, a construção de Roger Ferris também enfrenta alguns percalços. Verdade que o personagem, ao menos, possui um arco dramático, mas esse é tão artificial que não convence – apesar da interpretação sólida e intensa de DiCaprio. Por exemplo, ele simplesmente decide dizer que está cansado de tudo o que vive, sem que o roteiro dê motivos para isso (e não falo sobre a cena que ocorre após o momento com a câmera de filmagem, mas antes). Além disso, pouco se sabe sobre ele fora sua capacidade como agente: quem é Ferris? De onde veio? Há, sim, uma breve menção a um divórcio, mas isso acontece tão rápido que mais parece uma subtrama do roteiro que morreu na sala de edição.

O maior problema, porém, em relação ao personagem diz respeito ao relacionamento inventado pelo roteiro entre ele e uma jordaniana. Totalmente fora de contexto, a história serve apenas para estabelecer o conflito do terceiro ato, sem qualquer função orgânica à trama. Além disso, as cenas entre DiCaprio e a atriz Golshifteh Farahani são os únicos momentos no qual o filme perde um pouco de seu ritmo e o relacionamento entre ambos dá início a um clichê que simplesmente não deveria ter lugar em uma obra com temática séria como Rede de Mentiras: aquele no qual o mocinho tem que salvar sua amada da mão dos bandidos.

Esse, por sinal, não é o único lugar-comum no qual a produção resvala em seu terceiro ato. Há um momento frustrante no qual alguém é salvo na “hora H” e a inevitável conversa entre mentor e aprendiz após todos os acontecimentos. Tais desvios quebram o tom realista que o filme deveria possuir, jogando na cara do espectador que ele está assistindo simplesmente mais uma produção hollywoodiana, onde a falta de ousadia em apresentar algo novo sempre dita as regras.

E isso é uma pena, pois torna Rede de Mentiras uma decepção por jamais atingir o nível que deveria ter alcançado. É, ao final, um thriller que dá conta do recado e diverte durante duas horas. No entanto, atém-se unicamente à caça ao terrorista de maneira rasa, jamais indo a fundo na questão da guerra ou promovendo reflexões na platéia a respeito de assunto tão relevante. Está longe de ser um filme ruim, mas é, por tudo o que prometia, frustrante.

Comentários (0)

Faça login para comentar.