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Represa

(Represa, 2023)
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Críticas

Cineplayers

Represa vazia, material esvaziado

4,0

Em busca da terra. A tentativa de encaixe de universos diferentes? Sul e Nordeste? O encontro de 2 irmãos. A questão Jaguaribara. Escombros dessa Jaguaribara antiga. De leve. Filme que se aproveita da intrigante condição da cidade Jaguaribara – lotada na região do Médio Jaguaribe na parte central do Estado do Ceará – que por motivos da construção do açude Castanhão (1995 – 2003) teve de ser abandonada (a região por anos ficara alagada, e em anos de maiores secas, as ruínas começam a surgir com o recuo das águas), assim realocaram a população presente em uma nova cidade, alcunhada de Nova Jaguaribara. Diante disso, várias possibilidades são abertas para a execução de quaisquer trabalhos sobre esta situação, e o filme aqui em questão busca se debruçar sobre, à sua maneira.

A sinopse oficial da produtora deste longa-metragem, descreve:

“Lucas atravessa o país para visitar o local de nascimento de sua falecida mãe. Para vender um terreno que ela possuía, Lucas se aproxima de Robson, um irmão que ele nunca conheceu. Quando a filha de Robson, Josy, conhece Lucas, ela percebe imediatamente que algo está errado.”

De proa percebemos que a condição de cidade fantasma de Jaguaribara é ponto da trama, mas não como fator frontal objetivo, mas um elo a reboque das relações entre seus personagens onde se pincelam condicionantes de um passado onde memória e história se entrelaçam. A cidade em abandono não é protagonista, é mote e ambiente para os personagens outros. Alusão a sentimentos submersos que ali estão aptos a despertar, como restolhos de uma cidade antiga debaixo d’água. A intenção é boa.

Reuniões supostamente familiares (consanguíneas) somam-se às tensões pela procura da terra perdida. E as coisas são mais enganchadas do que parecem ser. Há uma busca por um entrechoque de reações entre os citados encontros, onde Lucas possui um propósito tanto histórico quanto financeiro, e a ele é demonstrado um tratamento comum por parte dos outros jaguaribarenses – mesmo que aos olhos dos mais sensíveis Lucas possa parecer pedante e agressor, o que pode se configurar mais como um excesso, talvez, vitimista de quem enxerga isso do que um abuso por parte deste indivíduo (que é modorrento e sem textura, sem dúvidas - mesmo bem defendido por Renato Linhares -, mas aí a discussão é outra) –, enquanto o mesmo persegue suas intenções não como um invasor distante, mas como um transeunte sem sal (no máximo sem bom senso) dentro daquele universo. Percebe-se ele como figura sem urgência, onde talvez o que interesse seja pela sua jornada. E isto não é qualidade, pelo menos não sob o prisma das escolhas feitas neste caso.

Há mesmo uma tentativa em tom do sujeito proveniente do sul, que representasse uma invasão ou ameaça àquele espaço? Seus conflitos superficiais em suas projeções, sem embates profundos de suas ações, ou do que ele pode vir a causar por ali; são alguns dos elementos problemáticos no material. E não o quão penetra compulsório ele se projeta a ser. Que seja. É mais uma escolha moldada por uma alcunha dalguma vertente do chamado cinema contemporâneo? Que busca propor maneirismos do “menos é mais”, porém não conseguindo funcionar de maneira satisfatória que nos faça nos importar com o que diabos estamos ali a assistir. Por isso que eu citei a sinopse oficial do filme parágrafos acima. Uma sinopse funciona como um resumo de trama com metas de marketing e venda do filme para um breve conhecimento prévio. Segue certinho o que o enredo viria a prometer, e joga em nosso colo uma suposta tensão, a de que algo realmente está errado. Eu só não consegui achar isso. Obviamente existe ali uma tentativa de direcionamento que propunha aos personagens uns embates, mas o caráter em avanço da narrativa diante das conexões entre os sujeitos não demonstra arduamente as intenções primevas. Não sei se por conta de um direcionamento dalguma ala do, novamente, cinema contemporâneo – essa nomenclatura é uma fuleiragem e um resumo grosseiro; mas a uso por me parecer ser uma coqueluche da moda tanto do meio da crítica, quanto da academia e nas bocas de vários realizadores, com boa parte dos mesmos envolvidos não terem feito algum recorte diante do que essa nomenclatura carrega, ou então apontamentos sobre origens e caminhos desses cinemas. [Fica como provocação] – que fora transposta pela direção/roteiro, ou por alguma determinação de linguagem mais especifica da mesma turma. Me parece é que o “menos” fica por ser só menos mesmo, sem o “mais” (talvez este seja o jogo de palavras mais vagabundo que eu tenha escolhido pra delimitar o que pensei de uma obra). É uma escolha por temporalidade, ritmo e convocação de espaços e sentimentos, porém quando o conteúdo se mostra vago da substância que queria almejar, vira um problema. Se a intenção fora demonstrar um vácuo melancólico e com objetivos meramente esparsos, o filme lograra um êxito em parte, que mesmo em sua minutagem de apenas 77 minutos, a mim parecera uma longa duração.

A câmera movimenta-se aqui e acolá querendo descobrir também o que procura o protagonista. A seca é demonstrada com o reaparecimento dos destroços da antiga Jaguaribara. Há uma preferência por uma fotografia de cores dessaturadas, que corrobora com o clima de anti-tesão (obviamente não quando entra uma cena de sexo, que soa deslocada, mas a quebra nisso é salutar) ao qual o filme se debruça em suas estratégias. Sem cores fortes, sem a intenção de grandes impactos. Nisso o material aqui aponta para uma concordância diante das deliberações de direção e roteiro (o diretor Diego Hoefel soma ambas a funções e divide roteiro com Aline Portugal e Marcelo Grabowsky). As escolhas dos planos seguem uma movimentação (em parte) que nos tomam de certo interesse nos ditames persecutórios do personagem Lucas, tentando dar até uma dinâmica a uma trama por vezes raquítica em sua execução. Como é um filme que trabalha em cima de procuras e investigações, nada mais justo.

Há uma questão invocada mais adiante. Uma virada de chave no filme? Cadê Josy? Ela some? Porra nenhuma. Ela reaparece. Adoro esses filmes que vão do nada a lugar nenhum apostando em sub-tensões que se movimentam muito levemente, e o resultado final fica pelo meio da mesmice. Eu sou, no máximo, um comentarista (mais divertido que crítico, mas crítico sou) de cinema e que interpreta a obra de maneira idiossincraticamente analítica da minha parte, e vendo esse negócio me passara pela cabeça que, na verdade, Josy ter supostamente sumido, me parece mais um ardil de roteiro. Dando ali um elemento de breve desajuste e procura, para mais adiante ele de pouco valer (um MacGuffin torto e avesso?) e, quem sabe, o filme se encaixe no guarda-chuva do cinema contemporâneo (outra provocação e ao mesmo tempo a própria), que o pouco que acontece numa primeira e explícita camada, seria apenas a abertura de camadas outras de profundidades discursivas e sensações diversas que nos fizessem impressionar por suas qualidades retóricas e sensoriais. Fora o discurso metido a acadêmico meu aqui, o ardil que diagnostiquei, não me pareceu ter profundidade. É só isso mesmo. A intenção era essa? Esse perambular de personagens, com idas e vindas, conversas a esmo, buscas vagas, que nos levam a um fim abrupto, montado sob a égide de uma simbologia pobre? E se justifica por isso? Porque se caso assim o for, me parece um simulacro de isenção perfeito como fundamentação para o ordinário. 

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