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Críticas

Cineplayers

Distante e ao redor.

8,0
Quantos filmes búlgaros chegam ao circuito semanalmente? Bom, sei que a pergunta é feita de maneira irônica (até porque o último filme de lá a estrear por aqui, Glory, de Kristina Grozeva e Petar Valchanov, chegou há quase 9 meses), mas é apenas o primeiro motivo para o qual o longa de Bojan Vuletic não deva ser desprezado; como é raro termos acesso a essa cinematografia, o interesse pela mesma deveria se fazer instantâneo. Os outros motivos acercam as inúmeras qualidades da produção, que compartilha com a Romênia influências estéticas e dramáticas. Um prato cheio para quem não espera do cinema todas as respostas narrativas.

O que isso significa? A Romênia vem se tornando cada vez mais frequente nos festivais de cinema, muito mais que no nosso circuito, infelizmente. Vuletic compartilha deles os planos estáticos e distanciados, evidenciando tanto os espaços estéreis quanto os personagens em erupção interna. Sua câmera se movimenta quando precisa sublinhar justamente uma ação deslocante, muito mais da alma que dos membros, ainda que metaforize um certo respiro nesses momentos. A câmera segue Sra. J quando ela parece reagir frente as intempéries, nos ambientes abertos e de interatividade. Logo, a estática volta a fazer parte do corpo e da máquina, também porque esse é o desejo da protagonista: parar. 

Sra. J não tem muitos motivos para viver. Desprezada pela filha mais nova, odiada pela mais velha, viúva há um ano, uma mulher que podia e queria ser invisível, mas infelizmente existe para atrapalhar. Sua presença incomoda a quase todos, e ela decide sair de cena antes que tirem. Assim sendo, na última semana de vida, a burocracia para mudar a lápide do marido o leva a périplos pelas ruas da cidade, incluindo uma volta ao emprego que a abandonou. O longa tem essa história que remete diretamente ao ápice do cinema romeno, na década passada, e ao mesmo tempo a velhice desassistida, a falta de afeto e as relações familiares destruídas não são exclusividade de nenhum povo e até por aqui isso tem feito eco (Pela Janela de Caroline Leone), o que prova que essa exclusão humana tem feito escola, e infelizmente esse aprendizado não está restrito ao cinema.

Cineastas europeus vem sendo constantemente acusados de misantropia anos afora quando eu vejo apenas verdade narrativa e acerto dramático. Essas opções se unem à vontade do diretor em retratar aquela solidão, aquele deslocamento em seu próprio habitat, e promover um trabalho de montagem que valorize os tempos mortos e o minimalismo. A fotografia se alia à direção de arte para ampliar os espaços diante da protagonista, ao mesmo tempo que tudo isso a oprime. Enquanto a casa da sra. J é apertada e repleta de elementos por onde olhamos, a fábrica abandonada é desértica, triste e desoladora; ambos os ambientes parecem traduzir a personagem principal e completar seu estado de total desespero. É uma leitura que abdica das palavras através das imagens, Vuletic sabe disso e promove apenas os diálogos essenciais.

O desempenho dos atores coadjuvantes no geral é bom, ficando todos em campo extremo de atuação, da histeria à apatia em cadeia proposital, com todo destaque indo para Mirjana Karanović. Ser a personagem título de um filme não é tarefa fácil, geralmente exige presença essencial na produção e aqui não foi diferente. Estar em todas as cenas do longa com uma expressão melancólica, distante, e ainda assim conseguir envolver e despertar a empatia do espectador para um ser humano que não se ajuda em nenhuma parte do tempo é raro, e o filme de Vuletic é construído para que essa mulher seja compreendida. Mirjana tem a árdua tarefa de colocar os olhos do público em contato não apenas com toda aquela dor da sra. J, como também de evocar torcida para que o melhor aconteça a ela, qualquer que seja sua escolha final. Ponto para atriz e diretor, que trabalham em conjunto para mostrar que os seres podem até ter uma noção meio gasta do que é afeto, mas que as vezes da forma mais inadequada ele é demonstrado.

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