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Críticas

Cineplayers

Como boa parte do cinema de Minnelli, apenas diversão passageira. Mas Cyd Charisse é deusa!

6,0

A Roda da Fortuna, de Vincente Minnelli, serviria muito bem para ilustrar o gênero “musical” dentro da chamada “Era de Ouro” de Hollywood. O filme tem as características do que era o “cinemão” americano daquela época. Por “cinemão”, entende-se filme popular, ordinário e não especialmente bom. Longe de ser uma obra-prima, funciona hoje, mais de cinquenta anos depois, como um musical bonitinho e agradável, curioso por ter alguns nomes que marcaram a história do cinema, sobretudo o de Fred Astaire, aqui não especialmente em grande atuação – mas quando canta e dança (principalmente), ainda vale ouro.

Desvencilhando-nos do ar gracioso e triunfante que a Era de Ouro ainda nos proporciona, A Roda da Fortuna é, em síntese e sem rodeios, um musical padrão e descerebrado, tanto que sua cena final orgulhosamente declara às pessoas ali presentes (os personagens), quase em tom de metalinguagem (ou seja, o recado serviu a quem também acabara de assistir ao filme, além dos próprios personagens), que o que nos foi apresentado foi uma sessão pura de entretenimento. Assim, a história definida pelo roteiro – criar um musical para entreter – parece que refletiu na obra de Vincente Minnelli, que com este filme criou algo desprovido de conteúdo para nos proporcionar, no máximo, uma sequência (divertida, que seja dito) de passagens musicais dançadas e cantadas cujo objetivo único também foi aquele: divertir sua audiência.

Hoje em dia os musicais das décadas de 1940 e 1950 são respeitados, de forma geral, por críticos e cinéfilos, mas pensando friamente é um gênero dos mais fúteis e pobres em termos de roteiro que há (com algumas exceções importantes). A história é um fiapo (se é que ela existe), e serve para meramente encaixar tempo entre as diversas cenas musicais (ora, não é esse o ponto criticado hoje em dia, por exemplo, nos filmes de ação?). O tom do filme (personagens, fotografia, músicas) é muito semelhante à Cantando na Chuva (que havia sido lançado apenas um ano antes), porém suas cenas musicais são muito mais simples e bem menos inspiradas. De forma grosseira, pode-se dizer que ambos são filmes “estúpidos”, feitos com o propósito principal de entreter suas audiências. O filme de Gene Kelly, porém, é muito mais feliz ao alcançar com quase perfeição esse objetivo.

Em A Roda da Fortuna, inclusive, alguns números musicais são de gosto extremamente duvidoso, como “Triplets”, onde os personagens adultos vestem-se de bebês (!!!) - dizem que filmar a cena foi torturoso aos atores, que passaram por desafios físicos enormes. A cena chega a lembrar o extremamente ruim Gigi, vencedor do Oscar também dirigido por Minnelli, onde atores adultos vestiam-se de crianças em montagens bizarras. Claro que tudo não passa de uma grande brincadeira com o objetivo de divertir a audiência (de novo essa expressão). Há, em contrapartida, boas passagens musicais, geralmente coloridas, agitadas e vibrantes. Mais pelo talento de Astaire e Cyd Charisse, a dupla dinâmica do filme que fez com que o medíocre se transformasse em bom.

Falando em Cyd Charisse, que faleceu recentemente, ela é o coração feminino de A Roda da Fortuna. A atriz transbordava beleza e sensualidade (suas pernas eram inspiração para muitos marmanjos, certamente). Sua presença em tela conseguia ter mais destaque que a de Fred Astaire, tanto que um dos problemas dos personagens – ela ser muito alta para ele – era um problema real enfrentado pela produção nos bastidores. Falando nisso, vale citar uma curiosidade sobre o filme: Astaire, cujo personagem nesse filme era um ator em decadência, estava ele mesmo com problemas na carreira à época em que o filme chegou aos cinemas.

A Roda da Fortuna é bem isso: diversão rápida e alguns musicais inspirados, não o suficiente para colocar o filme entre os principais de seu gênero. Minnelli executou trabalhos muito mais interessantes (e outros muito mais famosos e muito piores, como o já citado Gigi, fraquíssimo), mas há algo em seu cinema que me impede de apreciá-lo como fazem a maioria dos críticas e cinéfilos. Talvez seja a similaridade excessiva que permeia todo o seu trabalho; talvez os números musicais em seus filmes nunca sejam empolgantes o suficiente (minha principal reclamação para Gigi e outro filme seu idolatrado, Sinfonia de Paris). O fato é que, novamente aqui, com A Roda da Fortuna, a sensação é de um filme razoável – quase bom – mas rapidamente dispensável. Nada muito diferente do cinemão atual.

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