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Críticas

Cineplayers

O sacrifício da coerência/paciência/ciência.

4,0
Nota: O texto pode conter spoilers sobre a trama.

Num mundo-não-tão-utópico, talvez até deveras palpável, se nos inserimos nós na possibilidade, em que o primeiríssimo plano de um filme é, para um diretor tanto quanto para um espectador, se não sua mais calculada imagem (cuidadosamente preparada; repetida, se necessário), certamente sua mais preciosa para instaurar um sabor, deixar o tom primeiro na superfície mucosa da língua-olho – num mundo que assim possa concebê-lo, O Sacrifício do Cervo Sagrado (The Killing of a Sacred Deer, 2017) é um pomposo exemplar do “isto aí é o que vem a seguir”, ou seja, do quanto é possível tornar o grande primeiro momento uma imagem-desconforto, um signo anunciador da via-crúcis subseqüente.

Do inocente plano situacional, que nada de ingênuo tem, e que não faz mais que entregar à vista o portão principal para a grande mentira, ao já também “dicionarizado” plano deslocado no tempo (Pulp Fiction), usualmente o futuro precocemente instalado antes que a história inicial verdadeiramente se inicie: a imagem que primeiro advém na fila de planos guarda tanto o impacto do Todo quanto a última que o encerra. E o que há aqui – vejamos –, já ligeiramente frustrado pela expectativa entediada dessa raiz seca, bruta, de um cinema europeu cuja cereja mais vistosa é Michael Haneke, mas que Lanthimos sabe reproduzir tão bem, criando monstros de outra ordem, esse primeiro plano de um coração em ato cru de cirurgia, o músculo escarlate, lamacento, num oscilar sistólico-diastólico que, por método “cirúrgico” do enquadramento, torna-o quase estranho à própria imagem habitualizada que se tem do órgão, talvez para demarcar o que já se previa e que se dilata morbidamente nas próximas duas horas: um filme cru, cruel, sobre a crueldade do... homem? Yorgos Lanthimos, o Rousseau-fetiche sociólogo-psicólogo europeu (com a profundidade de entendimento humano de uma agulha).

Também fruto da safra pretensiosamente simbólica que Mãe! (Mother!, 2017) havia reavivado desastrosamente, ao esquecer de permitir que o fabular ou mítico, como num Buñuel, possa entrançar o real e ser, propriamente, o combustível da sua névoa ficcional, a tessitura em si da alegoria que faz o real torto, histérico, parecer mais verdadeiro que o “daqui”, o embarcar do grego de vez no território americano perverte ainda mais adiante a simbologia oca pelo pecado da câmera (do encenador, é óbvio) de se tornar glacial diante de seus personagens: há sempre uma amplitude e profundidade enjoativa de campo em espaços que na verdade são fechados, fóbicos de calor, simétricos, os objetos, por algum motivo, como que a um passo além do sem-vida; os corpos ora em close diametralmente assimétrico, ora esmagados pelas linhas e riscos das locações, não emitem nada, e se de fato intencionou-se aliciar o espectador para uma impenetrabilidade que se diz psicológica(mente densa), por que a narrativa do filme, o outro grande titã que poderia arrancar-lhe da apatia total, que curiosamente anseia por aniquilar o próprio humor, por que também esta se esgarça para prolongar uma ação e faz sua pólvora, chama e dedo sumirem?

O lolito não precisa de uma infinidade para se mostrar psicopático: o espectador já o apreende na primeira aparição. E, no entanto, o situacionismo, o embriagar (ativo) das imagens diante de quem as vê e que precisa de uma introdução não necessariamente preambular, alguma coisa que estale a faísca e deixe o resto dinamizar-se por montagem – todo o estratagema clássico de ontogênese de um mundo, e que por “clássico” não quer tradicional, mas sim razoável, ponderável, coeso, é abdicado em mão da sensorialização (majoritariamente sonora, como também se previa) de alguma espécie de patologia, tanto nas estilizações de uma vida nuclear talvez higiênica demais, encobrindo alguma podridão mais interna, quanto na inserção à la Pasolini do garoto enquanto eixo de corrosão familiar burguesa, não fosse o elogio a Teorema já tão escancarado pela má condução dos simbolismos propícios à cada liame do pai com sua esposa e dois filhos. 

Irônico que o apelido autoarraigado de film psychologique não consiga psicologizar os próprios personagens em matéria fílmica: tudo a Lanthimos é movido a uma excentricidade que se basta para si, sentenças de choque cuspidas ao ar em momentos de tensão que, a bem de verdade, complementam os slow motions, closes e retiradas drásticas de som, bojo de efeituabilidades típicas do filme cujo maior alcance é fazer mais sentir do que viver. Pois que muito concretizado em contornos sem animus, novamente pela perversão vulgar, que opera como uma criança magoada: só se convence quando a cara se deforma num autoartifício da dor: que seja desejável a tortura, que por algum motivo supremo que a licença estética tenha, permita-se que se considere como “denso”, “profundo” ou “sublime” assistir a um pai mencionar a primeira masturbação e gozo vivenciados na infância, diante do filho; olhar, em close desconcertante, o mesmo garoto, bochechas quase invisibilizadas pelo banho de sangue lacrimal dos olhos amaldiçoados, esperar do pai-parede que este o mencione como seu melhor amigo, só para não ouvir a resposta do (personificado) monstro, que havia considerado sacrificá-lo momentos antes.   

Há imagens abjetas “perdoáveis”, rachaduras de construção diegética diante das quais a fabricação imaginativa e em vigília do espectador pode ser complacente, mas nunca – porque é de fato minimamente inquietante – se havia concebido o grande carro alegórico que, além de falhar enquanto insinuação simbólica, insiste em se tornar impenetrável, gélido, caminho espinhento. Se é tudo detestável, horrível, falso, perdido, amedrontador, cruel, nem a justificativa estética pode tornar o desconforto atributo sedutor, tampouco que uma irmã sentencie ao seu irmão: “Posso ficar com seu mp3 quando você morrer?”, ambiciosa por ser a sobrevivente do resta-um fragmentado e trêmulo – tampouco essa brutalidade que se anuncia pela palavra dita de modo frio consegue sustentar a si mesma: não há substância por baixo daqueles epitélios que lhe alicerce a verdadeira crueldade, uma ao menos crível.

Comentários (12)

Jonas Bettencourt Soares | sexta-feira, 08 de Março de 2019 - 18:21

Kkkskks caralho que critica bosta não atoa que esse Felipe Leal é piada entre os leitores do site!

Anderson Paulo De Oliveira De Almeida | terça-feira, 27 de Agosto de 2019 - 20:20

Tá, ok. Mas qual a sua opinião à respeito do filme? Temos de ter ciência de que crítica cinematográfica tem que incitar o debate saudável, não um intelectualismo sem motivo. Não gostou do filme? Então exponha seus motivos de forma clara, assim podemos trocar ideias mesmo que eu discorde de sua opinião (que não está presente na "crítica"), isso que você escreveu parece um texto vindo de um livro que sinceramente eu jogaria no lixo.

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