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Críticas

Cineplayers

Tenso, o filme possui momentos memoráveis graças à Viggo Mortensen.

7,0

O novo filme do canadense David Cronenberg, Senhores do Crime, guarda mais semelhanças com seu trabalho anterior, Marcas da Violência, que apenas a repetição da parceria com o protagonista Viggo Mortensen. Assim como no filme de 2005, sob uma estrutura convencional e sob uma narrativa linear apesar de algumas reviravoltas, Cronenberg dá continuidade a discussões profundas sobre a identidade humana.

O roteiro de Steven Knight (Coisas Belas e Sujas) conta a história de Anna (Naomi Watts), uma médica que faz o parto dramático de uma misteriosa jovem que chega ao hospital em estado crítico carregando apenas seu diário. Com a morte da jovem ao dar a luz, Anna começa a vasculhar sua vida a partir do conteúdo do diário em busca de um destino para a criança e também de uma explicação sobre quem era aquela jovem e como havia chegado àquela situação. Nessa investigação, Anna cai na teia da máfia russa que age nos subúrbios de Londres. Nesse momento, Senhores do Crime, assume-se definitivamente um thriller e seu foco recai sobre Nikolai (Viggo). Motorista de Kirill (Vincent Cassel), filho do chefão da máfia, Semyon (Armim Mueller-Stahl), Nikolai é a personificação do que Cronenberg quer discutir nesse filme.

Como em Marcas da Violência, aqui também se trabalha com aparências que enganam. O que parece ser, na verdade não é. Nikolai é essa ambigüidade. Sua aparência é uma crosta de proteção, criada a partir da necessidade de sobrevivência em um ambiente hostil. Sua verdadeira identidade é, digamos, camuflada. Um homem bom rodeado de maus. E Cronenberg chega a uma resolução relativamente simples para o impasse da identidade levantado em Marcas da Violência: são nossos atos que nos definem. Aparência, meio social, influências, instinto ou razão, tudo isso pesa nas escolhas e nos julgamentos, mas é a tal faísca da decisão individual que nos nomeia apesar de nossas máscaras. É um processo constante com possibilidades de redenção ou não. 

Senhores do Crime é um filme eficiente em dar essa resposta. Sua formatação, se não é ousada, é adequada ao que se quer transmitir. Não há nenhuma novidade em como se conta a história e não há nada que Cronenberg já não tenha feito. Não há nenhum tipo de movimento no tempo, nenhum flashback, nada; a história é um thriller linear, até mesmo com as nuances das personagens sendo postas de maneira clara quase de cara. O máximo que o roteiro faz é salpicar alguns trechos do diário da jovem, tentando traçar um perfil dos imigrantes russos que vão tentar a vida em Londres atraídos por promessas de sucesso e dinheiro, mas que acabam por se deixar aprisionar pela rede da máfia em serviços de prostituição e tráfico (daí o título original, Eastern Promises, bem mais poético que esse Senhores do Crime!). 

O melhor do filme é o clima tenso, de personagens de maldade disfarçada, capazes de rompantes de violência crua. Hora ou outra, aquelas personagens se revelam em cenas de degola, de olho sendo furado com canivete, de punhaladas. Cronenberg novamente joga com o naturalismo dessas cenas para provocar o espectador (é a tal natureza velada, a verdadeira identidade) e também para não deixar o filme um marasmo só. O clímax atingido com a cena da luta de Nikolai na sauna é um recurso nesse sentido. Se retirarmos essa cena, Senhores do Crime seria apenas um thriller como tantos outros, tendo conotações maiores apenas se olhado em parceria com Marcas da Violência e entendido como uma prolongação de sua discussão. Com a coragem de Viggo nessa cena e também com em toda a sua excelente composição o filme ganha algo de verdadeiramente memorável e que o identifique além dos demais.

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