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Sibyl

(Sibyl, 2019)
6,8
Média
13 votos
?
Sua nota

Críticas

Cineplayers

Criancinhas

8,0

Há de se louvar os cineastas dispostos a provocar o público, movendo a narrativa rumo à lugares mais que conhecidos, só pra rir dessas mesmas situações. Ao debochar de um sem número de clichês, montar sua narrativa de forma a confundir o tempo e os espaços percorridos de maneira proposital, e ter a coragem de colocar seus personagens em atitudes cada vez mais infantilizadas e inexplicáveis, a diretora Justine Triet assume assim uma postura e um lugar distanciado à sua obra. Ao contrário de abraçar e embalar seus tipos, Triet joga seus hamsters de laboratório em uma gaiola cheia de obstáculos; ela então se diverte, e dá essa mesma distração ao público.

O quebra-cabeças que Triet se propõe a embaralhar, em tese, não tem nada de complexo, apenas se trata de um grupo sentimentos desconexos vivido por uma mulher cada vez mais desorientada, e reside aí o fascínio da obra. Se sua estrutura narrativa estivesse colocada sobre a mesa sem fragmentação, teríamos um outro filme pra analisar - provavelmente um pior. Mas cinema é também escolher como estruturar sua obra, como observar seus elementos, que quadros mostrar, e Triet opta por investigar com muito desvelo as mãos que puxam as pernas de alguém de volta para o poço, ainda que a ajuda própria defina também esse processo.

Consciente de que seres humanos adultos quando querem também são chantagistas, seduzem para conseguir o que querem, birrentos, não tem medo ou pudor de agir mesmo estando errados, a autora coloca em cena uma mensagem subliminar para que alcancemos suas intenções, quando a tia explica pra sobrinha a arte da manipulação infantil. No quadro maior, é exatamente esse estratagema que está sendo utilizados pela dita 'gente grande' - chorando compulsivamente, tomando o brinquedo uns dos outros, quebrando as coisas, metendo os pés pelas mãos, errando e errando e errando de novo e errando mais uma vez.

Na espinha dorsal desse jardim de infância para maiores de idade está a personagem-título, que estará em vias de sucumbir ao colapso do qual tanto tempo tentou se recuperar. Sibyl é uma psicóloga que tenta reestruturar sua vida em recuperação do alcoolismo se afastando de sua profissão para se tornar escritora, e talvez assim salvar seu casamento - e, por consequência, também sua vida. Mas o encontro com uma paciente vai arrastá-la para um abismo de atitudes erradas que desembocam em consequências cada vez mais desastrosas, onde o efeito dominó ruim afetará não apenas a si, mas a todos que ela se conecta.

Outro ponto de reflexão sobre o caráter de associação entre esses adultos e suas personas infantilizadas é o único paciente/cliente restante de Sibyl, uma criança de fato. Ao se relacionar com esse menino como um ser de sua idade, o filme acaba por refletir as atitudes de sua protagonista em opções cada vez mais imaturas. Que o filme aos poucos se torne cada vez mais histérico e exasperado parece ser o encontro entre esse caráter pouco adulto acometido por todos os personagens e a própria condição de adicta da sua protagonista, que funde sua particular infantilização com os delírios de alguém cada vez mais entorpecido.

Justine Triet consegue amalgamar elementos tão díspares quanto esses em uma narrativa que poderia se tornar uma mera reprodução de clichês de romances femininos de bolso ou de suspenses baratos dos anos 90, e por vezes parece exatamente estar nesse lugar misturado. Mas seu talento em borrar a moldura das ideias de sua protagonista em particular e perder a linha com seus coadjuvantes, a ponto de confundir o espectador positivamente com imagens desacertadas e aparentemente confusas, é o que faz desse Sibyl uma experiência inquietante e de proposta deliciosa, um refresco em tempos de qualquer festival (seja o Rio ou Cannes), que poucos darão o devido valor sem uma lupa para acompanhar o laboratório de Triet.

Crítica da cobertura do 21º Festival do Rio

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