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Críticas

Cineplayers

Em um novo formato.

6,5
O Peanuts original — o universo de personagens criado por Charles M. Schulz em sua série de tirinhas para jornais — durou meio século e se tornou um marco ainda sem igual do seu gênero. A turma de Charlie Brown hoje goza de prestígio mundial. O seu cãozinho Snoopy se tornou uma referência imagética tão forte e rentável que constitui hoje uma franquia própria, completamente desvinculada dos outros personagens, para o mercado de acessórios infantis. A importância de Snoopy para o reconhecimento da série fica clara na escolha do título em português para o retorno dos personagens ao cinema, em 2015, The Peanuts Movie foi traduzido como Snoopy & Charlie Brown: Peanuts, o Filme.

Muito antes da sua estreia, a nova adaptação já anunciava com orgulho um artifício óbvio para o cinema infantil contemporâneo, mas completamente estranho ao universo Peanuts: o 3D. Sou profundamente descrente da animação 3D, que agora se estabeleceu como uma regra para os estúdios que querem ter a certeza do lucro nas bilheterias. No caso de Peanuts, a técnica me parecia especialmente inadequada.

Quando um cartoon de jornal, a série era apresentada em traços simples e poucas cores (isso quando as tirinhas não eram publicadas em preto e branco). Em O Natal de Charlie Brown, a mais encantadora adaptação de Peanuts para o audiovisual, a estrutura narrativa das tirinhas foi ampliada, vinculando-se pequenas situações que conduziam o protagonista em sua busca pelo significado do Natal. Ainda assim, a simplicidade estética era mantida tal qual nos quadrinhos. Até o novo filme, o visual da saga de Charlie Brown era combativamente bidimensional. Os personagens formavam um conjunto de rascunhos vivos a contemplar melancolicamente a própria infância.

A técnica 3D em Peanuts, o filme, no entanto, pode até ser desnecessária, mas passa longe do inadequado. Os personagens são tão visualmente adoráveis e estranhos na animação 3D quanto eram na tradicional. Mas o que o novo filme realmente manifesta é a contínua relevância dos personagens de Schulz, principalmente o perdedor Charlie Brown.

Na história, Charlie Brown passa metade do ano letivo tentando criar uma nova imagem de si mesmo para conquistar a nova garota da escola. Ele é guiado por um livro chamado “Como se tornar um vencedor”. Mas todas as suas investidas para aprimorar a maneira como ele era visto socialmente terminavam fracassadas. Charlie Brown é azarado, sincero e altruísta demais para se tornar um vencedor.

Embora não seja especialmente original ou sofisticada, a mensagem do filme tem sua força política, principalmente quando “formar empreendedores” se tornou uma espécie de (estúpido) mantra para as escolas particulares. E a série de situações que levam ao desfecho do filme carrega alguma coisa do charme da obra original, embora este filme seja tranquilamente a mais ingênua aventura dos peanuts.

A ironia é que, em sua forma tridimensional, filme e personagens dialogam melhor com a ingenuidade da narrativa. E mesmo que seja triste abrir mão dos longos e desesperados monólogos dos personagens, estes são carismáticos o bastante para se sustentar nessa leitura mais infantil e contemporânea da série. Snoopy, porém, é o único que pra mim só parece fazer sentido na animação tradicional. O prolongamento de uma trama própria para o personagem (o cachorro escreve uma aventura aérea para si mesmo, que obviamente toma forma na animação) é o que o filme tem de mais descartável — um segmento bobo que parece só estar ali para expor a tecnologia 3D e dar mais destaque ao personagem mais famoso do grupo.

Há espaço para novos investimentos no universo de Schulz, que daqui pra frente deve seguir no formato 3D. Só espero que o material original, infinitamente mais rico, não caia no esquecimento.

Comentários (1)

Abdias Terceiro | terça-feira, 12 de Julho de 2016 - 00:34

Castanha escreve as melhores.

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