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Críticas

Cineplayers

O movimento funk mostrado de dentro chega ao seu auge novamente. Um documentário mais divertido do que bom.

6,0

Funk. Muita gente torce o nariz só em ouvir essa palavra. Não é para menos: baseado nas origens da música negra americana, como o rhythm and blues, o soul e o gospel, o funk foi sofrendo uma metamorfose com o passar do tempo, principalmente na década de 60, quando foram introduzidos os conceitos de rapper e MC, tornando-se uma música de pegada, para grandes bailes públicos e assumindo em suas letras um caráter social e agressivo.

No Brasil, a explosão do funk surgiu no final da década de 80, quando as favelas do Rio de Janeiro começaram a chamar a atenção da mídia nacional para o movimento surgido em cima dos morros, que já vinha ganhando popularidade com o sucesso dos grandes bailes na capital fluminense. Logo foram cobiçados por gravadoras ávidas por renovação e por programas de televisão popularescos, que usaram e abusaram do movimento, tornando famosos jovens como os integrantes da dupla Claudinho e Buchecha.

Com o surgimento de notícias que os bailes funks nas favelas eram festas sangrentas, quase sempre com brigas entre gangues, além de envolvimento com o narcotráfico, a popularidade do movimento decaiu e passou a segunda metade da década de 90 e o início dos anos 2000 no esquecimento para o grande público, quando a hipócrita classe média “percebeu” que não caía bem apoiar tal movimento. Enquanto isso, nas comunidades de raiz, o funk continuava a todo o vapor.

Eis que o movimento novamente conseguiu destaque na mídia, com o sucesso do Bonde do Tigrão, que abandonava as letras sobre justiça social para abusar de letras explícitas sobre sexualidade e uso da mulher como simples objeto sexual – e que eu não me atrevo a transcrever. Novamente estava na moda ser funkeiro, e novamente a classe média brasileira passou a comprar o funk. Nova exploração pela mídia e surgimento de outros astros da música, como o MC Serginho e sua Lacraia. A vulgaridade estava na moda, a promiscuidade passou a ser sinônimo de moderno e adjetivos como “tchuchuca”, “popozuda” e –  pasmem! – “cachorra,” se referiam a meninas adolescentes, em um país que tem um dos maiores índices de violência contra a mulher.

As mulheres de atitude que participavam do movimento resolveram contra-atacar e começaram a segurar o microfone para passar as suas próprias mensagens. Assumiram-se como uma espécie de feministas, continuando com a linha vulgar e erotizada que os homens já vinham fazendo, mas na visão do sexo frágil, que já não era mais tão frágil assim. Personas como Tati Quebra Barraco se tornaram famosas e começaram a fazer shows em boates para riquinhos da Zona Sul carioca.

É nesse novo cenário que a diretora Denise Garcia explora em sua estréia na direção de um longa-metragem (que é curtinho, tem pouco mais que uma hora de duração). Através da estrutura típica do gênero, excursiona pela favela Cidade de Deus entrevistando as cantoras, com destaque para Deise Tigrona, uma interessante aposta da diretora. Ao invés de explorar Tati Quebra Barraco, infinitamente mais conhecida e de maior apelo, mas que parece ser extremamente rude e sem carisma, ela acompanha Deise, menina humilde e de extrema simpatia.

Deise se torna para o documentário uma espécie de cicerone, percorrendo as ruelas e barracos do lugar apresentando um cotidiano até diferente daquele que imaginamos. A diretora conseguiu se entrosar a ponto de tudo parecer bastante à vontade, o que é um grande ponto a favor. Ela, que gastou cerca de um ano na confecção do longa-metragem, em nenhum momento tenta fazer do seu trabalho um instrumento de demagogia e por isso mesmo o filme é divertidíssimo e totalmente descompromissado – e Daise é o seu instrumento. Já no início percebemos o tom que o filme vai seguir, com uma animação curiosíssima que arranca risadas da platéia. Vez ou outra algum entrevistado tenta fazer um discurso mais sério, mas o tom é mesmo de descontração – o que pode soar um pouco superficial para alguns.

Sou Feia Mas To Na Moda (nome de uma das músicas de maior sucesso da Tati Quebra Barraco) também da voz à ala masculina, entrevistando o mais duradouro expoente do gênero, DJ Marlboro, durante uma visita à Europa, mostrando que o movimento já está conquistando outros países, como França, Inglaterra e Espanha.

E, assim como o funk, o filme (que teve carreira internacional antes de estrear por aqui) vai ter seus adeptos e seus detratores. Inclusive, muita gente vai se recusar a ver. Mas quem o assistir, e o for com boa vontade, vai se divertir (a produtora do filme se chama Toscographics!). Tem alguma dúvida?

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