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Críticas

Cineplayers

Uma comédia dramática de coração e alma próprios e muito bem definidos. Destacam-se Jack Black e a fotografia.

7,0

Explorando o mundo da luta-livre de forma cômica, Jack Black, com seu personagem Nacho, fez grande sucesso nos cinemas norte-americanos, mas foi simplesmente ignorado aqui no Brasil, indo parar diretamente nas prateleiras das locadoras. Coisa de distribuidor brasileiro ruim. Uma pena, pois foi somente com muito atraso que pudemos finalmente conferir este filme que funciona em dois níveis distintos: como uma agradável e divertida comédia besteirol ou como um drama sobre auto-conhecimento. Este segundo nível, se for bem apreciado e entendido, traz muita força ao filme. Se o espectador ficar esperando somente comédia, vai sair possivelmente decepcionado.

A história de Nacho é contada de forma bem triste. Ele viveu em um orfanato religioso por toda a sua vida servindo comida para os outros órfãos e para os padres. Sua paixão secreta, o wrestling, ele sempre manteve escondida por medo de ser expulso, até que conseguiu, em idade adulta, uma chance para lutar ao lado de um parceiro magricelo que encontrou em uma de suas andanças pelo vilarejo local. Assim, Nacho quer ficar livre para realizar seu sonho de ser um lutador profissional, ao mesmo tempo em que mantém uma dívida moral com as crianças que tanto ama no orfanato, mas só pode permanecer lá se ficar longe do esporte. Passado inteiramente no México e com parte do filme falada em espanhol, Nacho Libre foi um investimento arriscado por não ter cara de filme norte-americano e possuir características um pouco diferenciadas em relação à maioria das comédias que vêm de lá.

A fotografia do filme chama incrivelmente a atenção desde os créditos iniciais. Com cores fortes, sem medo de chamar a atenção, o aspecto de Nacho Libre é simplesmente belíssimo, tanto nas cenas internas quanto nas belas cenas externas de Oaxaca, no México. A sensação de liberdade que Nacho almeja, juntamente com sua espécie de prisão no orfanato, pode ser sentida o tempo todo graças à ajuda dessa fotografia. Ambientes abertos, vibrantes em meio a casas rústicas e simples, assim como seu povo. Por tudo isso que Nacho não tem, de fato, clima de filme norte-americano, tampouco se mostra convencional. A música “Religious Man (I am I am)“, belíssima no contexto do filme, é sua marca registrada, e quem a selecionou para ser tema do filme foi de uma felicidade imensa.

Black já tem um grande repertório de fãs, ainda que muitas pessoas simplesmente abominem seus personagens irônicos e sinceros. Ele não quer saber disso, e montou uma gama de ícones fortes em sua ainda curta carreira: Carl Denham de King Kong; Dewey Finn de Escola de Rock e o Hal de O Amor é Cego são exemplos claros desses personagens. Com Nacho, ele criou provavelmente o ícone mais forte de todos. Ao mesmo tempo forte e ridículo, tem o coração de ouro e as melhores intenções, mas o ambiente ao seu redor simplesmente não é propício para realizar seus sonhos. Não é um personagem imbecil e vazio como muitos irão apregoar ou já o fizeram.  É um personagem com que podemos facilmente nos identificar. No meio das palhaçadas, há alguém sedento por alcançar seus objetivos, e isso Black faz transparecer muito bem em Nacho.

As tais “palhaçadas”, aliás, são o ponto fraco do filme. Há algumas piadas bem engraçadas, mas no geral o humor é irônico e fica em segundo plano. As tentativas de Nacho de chamar a atenção da bela freira Encarnación (Ana de la Reguera, linda, e tem uma semelhança única com Salma Hayek, porém de traços bem mais suaves) são exceção à regra, proporcionando na maioria dos casos ótimas cenas. O humor presente nas lutas é quase anárquico, sem sentido algum e, enquanto isso é outra demonstração de coragem dos produtores, essas cenas são bastante desinteressantes. As figuras que criaram para tais cenas são tipos conhecidos para quem já conhece a modalidade. A última luta, porém, proporciona um clímax espetacular (que é suportado pela música-tema de forma perfeita), que é mais emocional do que cômico, coroando a afirmação de que o filme funciona melhor como drama do que comédia.

Através de mais um personagem interessante (mesmo que não marcante), Jack Black firma-se em Hollywood como um caso à parte. O filme é feito sob medida para seus fãs, mais do que para os fãs de comédia em geral. Este não é somente mais um filme do gênero. Tem alma, coração e estética próprias. Embora não seja nenhuma revolução em sentido algum, pode ser considerado um produto muito acima da média do que vemos ultimamente. Um filme muito bem conduzido e interpretado pelo seu protagonista com bastante dedicação. Mais do que recomendado.

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