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Críticas

Cineplayers

Uma grande voz, aqui abafada.

2,0
A diretora Mimi Leder é uma profissional exímia da televisão americana (vide Plantão Médico e The Leftovers), tendo sido constantemente elogiada e premiada por seus trabalhos na telinha, mas quando se trata de aventurar-se no cinema, suas tacadas são quase sempre desastrosas, cheias de pretensão e nulas de resultados em suas intenções, seja no melodrama ou no thriller (vide A Corrente do Bem e O Pacificador). O quadro geral não muda com o lançamento dessa pretensa biografia de Ruth Bader Ginsburg, uma mulher de ala liberal, feminista radical e decisiva em suas ações, a primeira a ocupar uma cadeira dentro da Suprema Corte americana, que acabou de ver um documentário sobre si ser um campeão de bilheteria na mesma temporada, além de ter duas indicações ao Oscar.

O oposto ao documentário ocorre aqui, pois falta relevância ao projeto e sobra ineficiência em todas as áreas, logo com uma biografada tão rica em personalidade. Não há qualquer vislumbre de brilho, coletivo ou particular, no longa. Uma trajetória contada de maneira burocrática e arrastada, com sequências absurdamente clichês e esquemáticas desde a primeira (Ruth caminhando altiva entre um mar de homens rumo a faculdade, como a desbravar o caminho, que no papel até poderia ter sido interessante) até a última, em um roteiro que até tenta focar numa passagem única de sua vida, quando Ruth luta para derrubar leis que tratem questões de gênero com distinção e diminuição, mas que abusa da burocracia ao narrar sua história, tão realmente desbravadora e aqui tratada ora com desdém, ora com exacerbada deferência. 

Talvez o equilibrio adquirido na televisão não chegue até seus projetos cinematográficos (a bem da verdade, foram poucos e em sua totalidade, irrelevantes) porque a estrutura de um seriado é prévia a realização final dos episódios, enquanto no cinema o peso do condutor é unificado. E realçam nesse caso os propósitos também da natureza do projeto, que em 'Suprema' nada mais são do que tratar da maneira mais rasa possível os feitos de sua personagem. Uma biografia sem qualquer invenção narrativa, apenas um desfile dos temas do momento que se fazem instigantes e chamam a atenção de certa ala da crítica. Entretanto, um tema de maneira solitária no máximo provoca um discurso bonito e inflamado, mas para realizar um bom filme é preciso bem mais que isso, e é a partir daí que o longa falha - ou nem tenta acertar, particularmente. 

Aos poucos, o filme sobre a vida de Ruth Ginsburg vai se tornando menor que o imaginado, graças a sua direção acanhada e às suas intenções didáticas, que não buscam refletir no cenário atual a fala inspirada da biografada, e vez por outra soa datado no lugar onde ainda pretende reverberar. O filme não parece ir além de homenagear um tempo outro e esquece de provocar os paralelos necessários ao nosso tempo, os avanços da voz de sua personagem e os lugares que suas ideias alcançaram, que ficam exclusivamente nos letreiros finais dessa produção sem qualquer lastro cinematográfico. Uma trilha sonora excessiva só contribui pra romantizar uma história maior do que os parcos recursos de sua diretora teriam para abarcar. 

O elenco também não se destaca, e Felicity Jones desperdiça um dos personagens mais ricos que poderia ter conseguido em momentos pouco inspirados, um Armie Hammer travado e sem maiores utilidades, mesmo a participação luxuosa de Kathy Bates se resume a mais um lugar confortável e sem novidades para a grande veterana, mas nenhum deles são inteiramente culpados por suas performances sem brilho, em lugares confortáveis e desprovidos de grandes momentos - não tinha como ser diferente com um roteiro tão sem nuances ou curvaturas. Uma pena que um projeto que poderia ser inquieto como sua inspiração, uma mulher que ajudou tanto em avanços dos direitos femininos perante a Justiça, tenha gerado um produto final tão enfadonho e desinteressante, apenas um produto esquecível e indigno de sua protagonista que numa rápida aparição final reflete mais luz do que o longa inteiro.

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