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Críticas

Cineplayers

Bom exemplar de um cinema íntimo e artesanal.

7,5
Na ativa no mundo dos longa-metragens desde 2014, quando estreou com Um Jovem Poeta (2014), Damien Manivel pratica um cinema artesanal e bastante íntimo. O Parque (2016), que conta a história de um rápido relacionamento, só confirmou a tendência e a preferência pelo minimalismo e, ainda menor, Takara - A Noite em Que Nadei (2017) mostra a faceta tão impressionista de seu cinema. 

Sim, impressionista. Pois a narrativa de Takara é ínfima - um garoto que não vê o pai, que chega tarde e sai muito cedo para trabalhar na fábrica, ao invés de ir para a escola um dia tenta visitar o pai e se perde. Não há nenhuma tensão ou drama a partir daí, logo o menino será encontrado, mas o que interessa a Damien Manivel é outra coisa. 

Manivel fez o filme no Japão junto com Kohei Igarashi, em seu segundo longa após o drama Iki o Koroshite (2014) e um segmento em Love is Possession (2014). A parceria entre Ocidente e Oriente se revela bastante próxima, pois apesar de cinemas diferentes, deu origem a um filme que não possui um olhar estrangeiro, exótico, mas sim uma ótica que une a todos.

Essa união, filmada em janela quadrada (4:3), valoriza principalmente a figura do protagonista, mais que os ambientes que enquadra. Os ambientes absolutamente prosaicos tornam-se interessantes justamente pela ação do olhar infantil do protagonista, que interage minimamente com os humanos e, de forma contemplativa, cômica ou algo dramática, com a natureza e objetos à sua volta. Brincar e interagir com espelhos e cachorros, andar a pé e pelo transporte público, tudo pode ser tirado do ordinário através da abstração da mente do protagonista.

Importante dizer, Takara - A Noite em que Nadei é um filme sem diálogos. Mas é o tipo de aventura tão imaginativa, baseado não na forma como o mundo é entendido, mas sentido, que eles praticamente não fazem falta. O cinema habitual, tão habituado à jornadas épicas, transformações exteriores e grandes conflitos, nem sempre percebe a beleza, a solidão e os perigos que apenas uma tarde fora de casa pode oferecer.

Filmado durante o inverno japonês, a neve surge como uma ambientação fundamental para a construção da atmosfera do filme: está lá para o protagonista mostrar sua falta de jeito e pouca intimidade com o mundo concreto partindo da sua perspectiva infantil, denotando um aspecto quase de vaudeville em seus tropeços e “bagunças que organizada”; mas é da neve também que vem elementos de desconforto no filme, como quando o garoto perde uma de suas luvas ou procura um carro destrancado para se aquecer durante uma nevasca. E para nós, essa ambivalência de sentidos, assim como para ele, é uma jornada íntima de conhecimento sensorial, motivada por uma razão pessoal (ver o pai enquanto está acordado) que o tira da zona de conforto - bem como o espectador, acostumado à habitual riqueza de afetações audiovisuais.

Se nada fala, sugere e incita um pouco, como podemos abstrair da inserção frequente de temas eruditos como “As Quatro Estações”, de Vivaldi, peça ancorada em suas passagens de uma estação e de segmento para a próxima, refletindo, também, nas mudanças exteriores e interiores que o protagonista é obrigado a enfrentar, apenas para que o final, cíclico, reafirme a história de frustração e afeto com o pai. 

Em tempos de “tudo e demais o tempo todo”, filmes como Takara - A Noite em que Nadei são uma raridade, ambiciosos em sua aparente despretensão e simplicidade, oferecendo aos nossos olhos e ouvidos não respostas, mas buscas por signos visuais e sonoros que descrevem a maior de todas as jornadas: a nossa, sem conhcer o mundo mas cheio de curiosidade, pavor, fascínio e vontade.

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