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Technoboss

(Technoboss , 2019)
6,6
Média
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Sua nota

Críticas

Cineplayers

Os limites do musical

8,0

Nomes como Pedro Costa, Teresa Villaverde, Miguel Gomes, João Pedro Rodrigues e outros são alguns dos responsáveis por, no século XXI (já com exemplares na década de noventa), voltarem a colocar Portugal no mapa como uma das cinematografias mais diversas, radicais e ousadas da atualidade. Na década de 2010, foi a vez de João Nicolau se lançar nos longas-metragens com A Espada e a Rosa (2010), exibido em Veneza, e principalmente com o delirante e o elogiado John From (2015). Agora, Technoboss (2019) vem promover um novo capítulo nessa interessante filmografia que começa a se formar.

Se no filme de 2015 víamos uma jovem pensando (sonhando) em como chamar a atenção do vizinho mais velho, Technoboss já é uma história no mínimo diferente, mas ainda guardando parentesco. Luís Rovisco é um instalador de sistemas de segurança à beira da aposentadoria, dirigindo para lá e para cá para atender as necessidades dos seus clientes, orgulhoso demais para deixar os mais jovens trabalharem por ele e, no meio disso tudo, é claro, não deixa de cantar suas angústias e alegrias atrás do volante através de músicas que improvisa animadamente.

Sim, Nicolau faz seu filme musical muito particular e minimalista, mas que nem por isso deixa de flertar com clássicos da Hollywood, como filmes de Vincent Minnelli como Sinfonia de Paris ou A Roda da Fortuna: ao invés de apenas inserir música no cotidiano, ela frequentemente serve como gatilho dramático para o delírio, com as locações reais dando lugar à painéis pintados, iluminação dramática e demais recursos lúdicos que transformam o filme numa ponte entre a realidade e o delírio, onde não há mais nada a dizer no mundo concreto, o campo cinematográfico é transformado em um palco de experimentos para seu diretor.

Muito do que faz o filme funcionar é o seu protagonista. Rovisco é interpretado por Miguel Lobo Antunes em seu primeiro papel. Com setenta anos, o jurista aposentado e irmão do escritor António Lobo Antunes - importante escritor português contemporâneo autor de obras como Memória de Elefante - interpreta uma impagável figura retratada como uma espécie de clown, atrapalhada, porém com suas próprias tragédias. Ele é justamente o homem medíocre, irritado, rabugento… Mas cujo potencial cômico reflete as graças, ironias e frustrações da vida e serve como mecanismo de sátira social ao descobrir o humano sensível, apaixonado e cantarolante por trás da caricatura estressada.

Daí que surge o principal motivo atrator do filme: é musical, mas trai toda a pirotecnia e excesso de acessórios do gênero; a conjuntura é para fazer um filme até reflexivo e contemplativo, onde o personagem sofre de saúde, sofre de amor, sofre pelo gato doente; e quem disse que há coisas que se proíbem de serem cantadas? Technoboss não concorda e encontra ritmos e rimas justamente a partir da necessidade de não silenciar seu protagonista de forma austera, mas sim ilustrar seu colorido interior que jamais esperaríamos. Por isso, Technoboss é essa espécie não de anti-musical, mas de musical de outra via, de outra ordem - podem chamá-lo de reverso, pois muito se ilustra sobre poucos dias, poucos eventos, é tudo pouco grandioso e, justamente por isso, os limites do gênero enquanto expressão sensível são testados.

Mesmo um tanto longo para uma obra com caráter episódico, Technoboss tem um charme difícil de resistir devido à sua cacofonia: além das ferramentas do musical, Nicolau abusa de um senso de diversão formal, seja em uma narração em off em terceira pessoa que expande os sentimentos e ações do personagem como em um livro sendo lido ou na figura do amigo arrogante que insere frases em inglês na conversa a todo momento que jamais é exibido. O cinema do cineasta tem essa força curiosa, cacofônica, que se aproveita de vários recursos disponíveis para ser propositalmente artificial como forma de ilustração de contextos e emoções. Um cinema de invenção, de composição de um todo a partir de cacos e fragmentos, e mais uma evidência da riqueza da cinematografia portuguesa.

Crítica da cobertura do 21º Festival do Rio

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