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Críticas

Cineplayers

A obra-prima de Érico Veríssimo diluída em belas paisagens.

4,0

Quando tudo o que se tem a dizer de bom de um filme é que ele tem belas paisagens, é porque alguma coisa saiu errado. Mais séria ainda é a situação quando estamos tratando da adaptação de uma das maiores (em tamanho e importância) obras-primas literárias brasileiras, O Continente, de Érico Veríssimo, que o diretor Jayme Monjardim traz às telonas em O Tempo e o Vento (idem, 2013), da Globo Filmes. No roteiro temos uma parceria com Tabajara Ruas e Letícia Wierzchowski, esta última a escritora do romance A Casa das Sete Mulheres, obra que ganhou também uma adaptação de Monjardim para a televisão.

Ao reatar essa parceria com Wierzchowski, Monjardim acaba por fazer de O Tempo e o Vento um filme com ares de épico, mas que na verdade evoca o tempo todo o que muitos puderam acompanhar em A Casa das Sete Mulheres: bela fotografia, entre outros atributos técnicos, uma dramaturgia que deixa a desejar, Thiago Lacerda na pele de um personagem central de difícil composição, e a retratação de um momento histórico crucial nos pampas gaúchos. A diferença é que O Continente fornece um material muito mais complexo e longo do que A Casa das Sete Mulheres, e por isso as deficiências da produção acabam ficando mais evidentes, a começar pela curta duração.

Tudo bem que em um filme fraco a curta duração acaba sendo um alívio, mas aqui é uma das razões para a ineficiência da adaptação. O Continente, a primeira parte da saga O Tempo e o Vento, é um livro muito difícil, de personagens extremamente fortes e grandes momentos. Tudo nele pode ser considerado superlativo, e seu próprio título indica que o tempo é um elemento-chave e essencial para a história. Claro que no cinema tudo é redimensionado e o tempo ganha outro valor, mas é inevitável sentir falta do aprofundamento em muita coisa descrita na narrativa literária.

A trama não é linear e se inicia durante um momento crítico, quando a casa da família Terra Cambará é cercada pelos inimigos da família rival, os Amaral. Bibiana Terra (Fernanda Montenegro), diante da situação, começa a evocar a lembrança de seu amado Capitão Rodrigo Cambará (Thiago Lacerda), e para ele narra a saga da família, que começa com o envolvimento de sua avó Ana Terra (Cléo Pires) com o índio Pedro Missioneiro, que resulta na gravidez dela e no posterior nascimento de Pedro Terra, pai de Bibiana (vivida quando jovem por Marjorie Estianio) e de Juvenal.

Apesar de o elenco estar, no geral, em boa forma, com destaque para Marat Descartes e Paulo Goulart, os personagens principais ficam sob a responsabilidade de atores medianos. Ana Terra e Rodrigo Cambará, considerados arquétipos da literatura brasileira, tanto que ganharam capítulos à parte durante a saga, são interpretados por Cléo Pires e Thiago Lacerda, que apesar da tentativa, não dão conta de seus personagens, que são os pilares da obra de Veríssimo. Marjorie Estiano e Fernanda Montenegro fazem o que podem ao dividir o papel de Bibiana, mas sobra a sensação de que a personagem não foi bem aproveitada, mesmo sendo ela a narradora do filme. O foco em mostrar um ponto de vista feminino sobre a história é mal desenvolvido e termina por deixar toda a produção com um ar novelesco.

Mesmo não errando tanto a mão como fez em Olga (idem, 2004), Monjardim erra aqui quase que nos mesmos pontos, em especial por transformar uma história densa e complexa em um dramalhão folhetinesco, com o uso irritante da trilha sonora e uma pretensão de épico que chega a ser risível. Acaba tentando dar um passo maior que a perna, abordando em pouco tempo uma linha histórica muito extensa, passando por momentos importantes como a Revolução Federalista, e tentando condensar tudo isso sem nenhum sucesso. Se o começo é promissor, seu desenrolar termina por vez com qualquer expectativa criada. O orçamento obsceno para os padrões brasileiros lhe garante uma bela fotografia de paisagens hipnóticas, que terminam por ser o ponto alto de toda a produção.

Não é a primeira vez que O Tempo e o Vento ganha uma adaptação, a exemplo de Ana Terra (idem, 1971), de Durval Garcia, fora a versão para a televisão em que Glória Pires interpreta o papel principal. Nenhuma foi tão ambiciosa e bem patrocinada quanto esta de Monjardim, e talvez por isso a decepção seja um tanto maior. A saga de Érico Veríssimo continua esperando por uma adaptação decente, e para quem não tem paciência de ler todos os gigantescos sete volumes do romance, pode ser que o filme de Monjardim sirva para quebrar um pouco o galho, mas jamais dará conta de englobar toda a força dessa que é uma das mais belas obras-primas de nossa literatura. Mas, claro, isso não chega a ser novidade; afinal, quem estava esperando um material com capacidade para tanto?

Comentários (9)

Eduardo da Conceição | terça-feira, 01 de Outubro de 2013 - 21:33

Diretor de novela \"dirigindo\" filme só dá nisso 🙄

Eduardo Pepe | terça-feira, 07 de Janeiro de 2014 - 04:08

Pelo menos, não é pior que Olga...

Alexandre Koball | terça-feira, 07 de Janeiro de 2014 - 07:52

Não tive coragem de ver este aqui ainda.

Raphael da Silveira Leite Miguel | terça-feira, 21 de Janeiro de 2014 - 00:36

O filme é bem como o Heitor falou: tem formato de novela, pouca duração para muitos personagens, pois quando se começa a habituar com um, muda-se a época e troca-se todo o elenco. O que fica de bom são as belas imagens.

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