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Críticas

Cineplayers

Filmado por um cinéfilo e como um cinéfilo, O Tempo que Resta é belo e interessante, mas fica longe de ser uma obra-prima.

7,5

Na curta e fulgurante carreira do cineasta pariensense François Ozon, há dois suspenses psicológicos (Sob a Areia e À Beira da Piscina), uma sátira cinéfila (8 Mulheres), um roteiro do alemão Rainer W. Fassbinder (Gotas d’Água em Pedras Escaldantes), uma espécie de comédia dramática (Amor em Cinco Tempos, melhor filme no Festival de Veneza) e este sensível e inclassificável O Tempo que Resta, sobre um fotógrafo que, sabendo-se vítima de uma doença fatal, em alguns meses revê sua vida (a mesma que antes tanto o aborrecia) por outro ângulo, muito mais interessante.

Na verdade o fotógrafo, interpretado com brilho por Melvin Poupauld (e não é que a estrelinha magricela virou ator? Eric Rohmer e Ozon fizeram dele um), vai se despedindo de todos os seus parentes, do namorado, da avó (Jeanne Moreau), do pai, todas belas cenas, até que encontra uma misteriosa garçonete e uma proposta inusitada.

Os problemas de relacionamento, até então enormes e intransponíveis, vão diminuindo e tomando a real proporção, que, à medida que o filme avança para o final (e para o fim da personagem), algumas vezes o tamanho chega a ser nenhum. Ele é um afortunado e nem sabe: quando vai comprar cocaína, o pai lhe dá carona. A irmã não entende porque um fotógrafo nunca tirou fotos de seus dois sobrinhos: “Porque eles saíram de você e a foto nunca ficará boa”, responde depois de ter cheirado uma carreira no banheiro, provocando mais uma crise familiar.

Vai se afastando de todos, logo ele que nunca conseguia ficar sozinho, de alguns de forma dolorosa, e caminhando para a morte. Depois ele pensa, reflete (o filme tem profundos e significativos silêncios), retorna e lhes pede perdão a sua maneira, muitas vezes sem que os outros sequer saibam que aquilo é uma desculpa. De todos, tira uma última e inútil foto (porém inesquecível), disponível em um álbum no DVD francês do filme, sem dúvida emocionantes de se ver.

Enquanto emagrece (recusou a quimioterapia e a doença se alastra rápido) e fica cada vez mais distante dos amigos e parentes, consumido pela culpa, pelo remorso, pela angústia e, principalmente, pela solidão, Romain (nome da personagem) recorda da infância, aparentemente feliz, em que urinava na água benta das igrejas católicas, recordações essas sempre perpassadas pela descoberta da sua sexualidade. Queria o personagem morrer como a criança feliz que ele foi um dia – e, ao que parece, vai conseguir.

Embalado pelas partituras delicadas e de beleza etérea do compositor russo Arvo Pärt (Sinfonia n.º 3 e Fur Alina) os 86 minutos de filme escorrem como areia da praia molhada por entre os dedos. Como em seus outros filmes do diretor, há muita água em O Tempo que Resta. Se é símbolo de purificação, fica a cargo do freguês. A água era fonte de inspiração maléfica em À Beira da Piscina; perda, abandono e solidão em Sob a Areia, e sexo e dominação em Gotas d’Água em Pedras Escaldantes. É nela que o personagem enfim encontrará seu alívio definitivo.

Ozon é cinéfilo e filma como um. Há passagens que fazem referência a um clássico do tema, Cléo das 5 às 7, de Agnès Varda, alguns diálogos forçados à la François Truffaut (“Você pode escutar meu coração? Ele ainda bate”, diz para o ex-namorado no reencontro) e a sua obsessão pela musas do cinema francês, no caso Jeanne Moreau. Tudo chique e classudo, como bem gosta uma parte do cinema francês – em especial, o lado menos inspirado dele.

O Tempo que Resta é um belo e interessante filme. Calculado nos mínimos detalhes, é perfeito demais para ser um grande filme.

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