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Críticas

Cineplayers

Ânsia de provocar

5,5

Um dos filmes mais enigmáticos do Cine PE foi o escolhido para encerra-lo e criar uma positiva parcela de estranheza no público, através da sua narrativa intrincada e suas possibilidades diversas de entendimento. Dirigido por Marcelo Faria (não confundir com o homônimo ator filho de Reginaldo Faria) e Rafael Moura, Teoria do Ímpeto versa sobre um reduzido núcleo familiar que precisa desatravancar questões do passado para ter alguma perspectiva de futuro. Ainda que a construção narrativa seja apoiada em enigmas que nem sempre serão desvendados, deixando uma parcela de não-ditos tomarem conta do todo, um clima de exagerada internalização é bancado pelo roteiro, que promove assim um frutífero jogo de adivinhação quanto a suas informações. Talvez resida aí uma das principais qualidades do longa, confundir e oferecer inúmeras pistas sobre eventos relativamente banais que elevam as relações humanas apresentadas.

Outro ponto importante a ser colocado em cena é a representação cinematográfica de uma família negra protagonizando uma história que, por mais que seja de origem humilde e eventualmente se envolva em ilicitudes em seu desenrolar, fotografa esses seres em ambientes outros que não a zona de comunidade, a violência urbana, o banditismo declarado, personagens muito mais reféns da ausência de oportunidades que suas origens lhes lega do que necessariamente uma decisão assertiva quanto ao crime. Essa família disfuncional é não somente um retrato possível de país por sua cor, mas principalmente um lugar de centralidade narrativa primordial para configurar representatividade orgânica, sem panfleto ou elementos artificiais em sua concepção. Que a cada nova camada essa naturalidade seja reavaliada, faz parte do pacote substancial do filme.

Outro predicado apresentado pelo projeto é essa salada de elementos tão díspares ainda cruzarem um caminho de construção de cinema de gênero no que ele tem de mais significativo: a sugestão. Em áudio, em banda sonora que inclui a própria trilha, em detalhes de fotografia e montagem - que incluem o uso de alguns planos sequência - em direção de arte, o trabalho de Faria e Moura remete a uma série de filmes cujos tipos esbarram em questões fantásticas em ordem crescente, mas cujo pano de fundo é social. Tudo é muito sutil e sem arroubos contínuos, e o projeto consegue se manter em clima de constante tensão mesmo utilizando o mínimo possível de esforço nessa direção. O clima estabelecido tem uma certa esquisitice que geralmente advém dessa natureza, mas sem criar uma agudeza a ponto de arranhar os esforços teóricos que o filme ambiciona.

A interação entre seu roteiro demasiadamente vago e repleto de elipses (com mais espaço para elas do que deveria) e seu trio principal é o grande 'calcanhar de Aquiles' do longa. Elipses são bem-vindas e geralmente ajudam no viés difuso de uma obra, mas Teoria do Ímpeto trabalha com a sugestão até na hora de construir as motivações dos personagens, independente da certeza dos seus laços. Essas lacunas impedem o espectador de criar empatia por aquelas pessoas, já que não temos dados suficientes sobre eles, quais suas reais intenções, quais seus pontos de partida e chegada, esse é o risco que se corre ao apontar uma narrativa onde cenas desconectadas gradativamente produzam uma narrativa: eventualmente não se criará empatia com nenhum dos elementos apresentados, e é o que acontece aqui.

Por conta dessas rupturas narrativas, o elenco não consegue apresentar um trabalho de continuidade evolutiva, ou criar nuances dramáticas. Talvez quem se sobressaia seja Adriano Barroso que interpreta uma espécie de tutor dos jovens irmãos, com Clara Matos e Pablo Magalhães não tendo a oportunidade necessária de explorar o potencial que a trama propiciou. Nessa zona de equilíbrio entre o que funciona e o que deixou a desejar, fica realçada a vontade dos diretores de criar uma voz diferenciada dentro da ficção nacional. Provavelmente com experiências futuras essas arestas podem ser amarradas. 

Filme visto no Cine PE 2019

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