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Críticas

Cineplayers

Tarja transparente.

7,5

A situação é complexa. Emily Taylor (Rooney Mara), depois de tentar o suicídio, começa a se tratar com o psiquiatra Jonathan Banks (Jude Law), e remédio nenhum prescrito por ele parece funcionar para melhorar sua vida conjugal, agora que seu marido, Martin (Channing Tatum), acaba de sair da cadeia. Por recomendação da antiga terapeuta de Emily, a Dra. Victoria Siebert (Catherine Zeta-Jones), e também por insistência da própria paciente, o Dr. Banks decide finalmente receitar um tal de Ablixa, remédio popular que anda literalmente fazendo a cabeça de muitos usuários depressivos, alardeado em propagandas nas tevês e nos outdoors. O resultado é uma faca de dois gumes. Por um lado, Emily melhora consideravelmente e consegue voltar a levar uma vida normal; por outro, há o efeito colateral do sonambulismo. Para compensar esse efeito indesejado, Banks receita outro remédio para Emily, primeiro porque parece funcionar em casos de sonambulismo, e segundo porque está sendo patrocinado pelo laboratório fabricante do tal remédio para recomendá-lo aos seus pacientes. Mas quando Emily, ainda sonâmbula, acaba cometendo um crime bárbaro, resta a dúvida: quem deve ser responsabilizado por isso? A própria paciente que cometeu o delito inconscientemente, o médico que prescreveu dois remédios que mal conhecia, ou o fabricante das medicações, que oculta em suas propagandas alguns efeitos colaterais indesejados de seu produto?

É com base nesse entrave ético-finaceiro que Steven Soderbergh volta a cutucar a indústria farmacêutica, como havia feito sutilmente em Contágio (Contagion, 2011), só que com muito mais foco em seu alvo. Podemos dizer que seu cinema irregular sempre seguiu por diversos caminhos, como os filmes experimentais, as brincadeiras com gêneros popularizados pelo cinema americano, os de apelo comercial, os projetos alternativos do circuito independente, e a constante parceria com atores populares. No caso de Terapia de Risco (Side Effects, 2013), encontramos um núcleo de denúncia contra duas grandes indústrias, a farmacêutica e a mídia em geral, ao mesmo tempo em que se nota toda uma nova brincadeira com gêneros, como ele tanto gosta. No caso, seria um suspense noir cheio de reviravoltas e intrigas, com direito a personagens dúbios, femmes fatales, protagonista de moral duvidosa e inúmeras camadas (e uma linda sequência de abertura que remete à Psicose [Psycho, 1960], de Alfred Hitchcock, mestre bastante reverenciado ao longo da projeção).
 
Mestre nos artifícios, nos jogos de cenas e nas picaretagens, Soderbergh funde seu núcleo investigativo com moldes de um film noir para construir uma teia cheia de camadas, onde ele consegue se esconder por trás de pistas falsas, personagens enigmáticos e reviravoltas sobrepostas. Se na primeira metade o foco é cutucar esse dilema moral em volta da indústria farmacêutica cada vez mais caça-níquel, que vende medicações fortes, como antidepressivos, como se estivesse vendendo um creme dental (sem tarjas nas embalagens coloridas e atraentes), a segunda se forma a partir do momento em que Banks começa a desconfiar que esteja sendo manipulado, agora que sua reputação foi afetada pelo crime cometido por Emily, quando estava sob o efeito do Ablixa. De repente ele percebe que nada é o que parece ser, que o buraco é muito mais embaixo, e seu sentimento de culpa passa a ser substituído por uma desconfiança corrosiva. Se a princípio Banks, Siebert e os laboratórios são os personagens de moral duvidosa, que mais pensam nos lucros do que no bem-estar de cada paciente, depois as cartas são embaralhadas e ninguém ali parece inocente.

Além de bom noir, Terapia de Risco ainda guarda a marca registrada de Soderbergh e seu costume de trabalhar com um elenco popular (Rooney Mara e Jude Law afiadíssimos), jogar com elementos de farsa, ocultando algumas informações enquanto revela outras sorrateiramente, para embaralhar a mente do espectador e, de quebra, maquiar algumas falhas em sua própria direção e roteiro, que sempre se vendem como algo muito mais complexo e intrincando do que realmente é. Interessante notar que, enquanto discute esse tema que tanto o parece incomodar, da parceria nociva da mídia com os remédios de “tarja transparente”, ele não esquece sua veia de cineasta da irrealidade, da farsa, e volta a brincar com gosto com as mirabolantes possibilidades do cinema, e aproveita isso ao máximo, já que se trata de seu canto de cisne (junto com Behind the Candelabra). E nada melhor do que finalizar sua carreira com este filme, que une tão bem quase todas as vertentes de seus antigos trabalhos, entre denúncias e brincadeiras – pois no fundo, ele sempre gostou de expor verdades, ao mesmo tempo em que se ocultava atrás de sua própria tarja preta.

Comentários (12)

Alexandre Koball | quinta-feira, 11 de Julho de 2013 - 07:15

Filmão mesmo, no mesmo nível de Contágio, talvez um pouquinho melhor...

Marcelo Queiroz | segunda-feira, 08 de Fevereiro de 2016 - 02:28

Bom filme. Vi hoje por curiosidade. Valeu o tempo gasto pra ver um dos melhores do Soderbergh.

Marcelo Queiroz | segunda-feira, 08 de Fevereiro de 2016 - 02:29

Um filme bem eficiente dentro de sua proposta, bastante ágil também..

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