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Críticas

Cineplayers

O grito dos inocentes.

6,0

No começo dos anos 1980, o cenário parecia mudar para a comunidade gay nos EUA. Depois da revolução sexual que marcou década de 1970, tudo parecia caminhar para um futuro de maior aceitação geral dos homossexuais na sociedade, e as expectativas de todos diante disso eram otimistas. Mas eis que o sonho desmoronou quando o vírus HIV começou a se disseminar e ganhar notoriedade, sendo taxado a princípio como uma doença exclusiva da população gay. A falta de informações e o alastramento epidêmico da AIDS precipitaram o início de uma reação pública de repulsa, medo, isolamento e asco diante dos homossexuais, e um dos maiores ativistas da época, que deu voz a toda uma geração de pessoas praticamente abandonadas pelo governo, foi Larry Kramer, dramaturgo que anos mais tarde escreveu uma famosa peça sobre suas experiências nesta época. No telefilme da HBO, The Normal Heart (idem, 2014), o diretor Ryan Murphy adapta essa peça e o resultado é bastante positivo.

Na pele do alter-ego de Kramer, Ned Weeks, Mark Ruffalo surge em corajosa performance em um filme que não tentar vitimizar a comunidade gay se propõe a discutir um tema que ainda hoje segue alarmante. Claro que não foi possível fugir do tom por vezes panfletário, mas em essência The Normal Heart passa longe de ser um trabalho didático ou militante, para se mostrar um sensível retrato de toda uma geração abandonada e marginalizada. Embora se enfoque por vezes em acompanhar as lutas políticas e sociais de Ned (que cutucou os nervos tanto dos democratas quanto dos republicanos) e seus amigos, o tom do filme de Murphy é mais intimista, principalmente quando se volta para a relação do personagem com seu companheiro soropositivo, Felix (Matt Bomer), um repórter do New York Times. A piora constante da saúde de Felix e o medo da perda talvez seja o tema tratado com mais carinho por Murphy.

Na produção, o diretor (que também é gay) não poupou medidas para a realização de um projeto de valor tão pessoal, visto que foi muito influenciado pelo texto de Kramer quando estava na faculdade. Além de Murphy, todo o elenco conta com personalidades que emprestam muito de sua imagem pública em apoio a causas defendidas pela comunidade LGBT, como os atores gays Jim Parsons (o famoso Sheldon da série The Big Bang Theory) e Matt Bomer. Na outra ponta temos Julia Roberts, na pele de uma médica paralítica que se mostrou uma das primeiras interessadas na área médica a estudar tratamentos para a AIDS. A presença sempre forte da atriz garante certo chamariz para o público, e sua composição histriônica casa muito bem com a condução pouco sutil de Ryan Murphy para com o filme. Juntos formam um elenco competente e convincente, que dão conta de cenas difíceis e de personagens “perigosos”, que nas mãos de atores despreparados ou inexperientes acabariam se resumindo a tipificações ou estereótipos reducionistas.

The Normal Heart, ao mesmo tempo em que se propõe a discursar sobre o tema da AIDS em nossos dias, faz um interessante apanhado geral da história da doença nesses últimos trinta anos. A perspectiva alcançada somente com os anos, lhe permite traçar uma visão ampla sobre as implicações sociais, políticas e antropológicas da doença, e ternamente coloca em evidência tantos nomes e rostos que acabaram ficando pelo caminho, vítimas não apenas de um vírus, mas também da indiferença, do preconceito e do descaso. É um trabalho humanista que visa não apenas retratar uma geração tragicamente abatida pelo destino, mas também compreendê-la o mais fundo possível, a ponto de chegar ao coração.

Comentários (3)

Gustavo Hackaq | quarta-feira, 09 de Julho de 2014 - 02:38

Ainda não tive sustentação psicológica pra terminar de ver esse de tão ruim que estava achando.

Vinícius Cavalheiro | segunda-feira, 21 de Julho de 2014 - 00:45

não estou sabendo viver depois desse filme, de verdade.

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