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Críticas

Cineplayers

Um Farhadi diferente, mas muito familiar.

7,0
Tendo iniciado a carreira em 2003, Asghar Farhadi na década seguinte tornaria-se com A Separação (2011) e O Apartamento (2016) parte de um clube distinto de diretores que venceram mais de uma vez o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro - junto a outros diretores icônicos da história do cinema como Federico Fellini, Ingmar Bergman e Akira Kurosawa. 

Agora, Todos Já Sabem marca seu primeiro filme fora do Irã, aportando em Madrid e conduzindo um elenco internacional, entre eles os espanhóis Penélope Cruz (Vicky Cristina Barcelona) e Javier Bardem (Onde Os Fracos Não Tem Vez) e o argentino Ricardo Darín (O Segredo de Seus Olhos) no que ao menos de início revela-se como um thriller de sequestro - e com reviravoltas para o próprio gênero.

O filme acompanha a história de Laura (Cruz), uma mulher espanhola que retorna ao país de origem para comparecer a um casamento da família e acaba tendo a filha Irene sequestrada durante uma queda de energia. A partir daí, a família decadente de Laura terá de se esforçar para conseguir dinheiro e a mulher se vê em meio ao atrito entre o seu marido Alejandro (Darín) e seu antigo amor e atual proprietário das terras de sua família Paco (Bardem). 

Apesar do início lento, no grosso de Todos Já Sabem está um mistério muito funcional que desdobra-se lentamente sob a chave do melodrama, onde as ferramentas operam para que a situação pouco a pouco pareça menos aleatória e mais resultado das escolhas e decisões que Laura, Alejandro e Paco tomam ao longo do caminho. 

Essa chave catártica e emocional de “destino batendo à porta” faz com que se equilibre ao mesmo tempo tanto o lado quase documental de locações, luz natural e câmeras na mão quanto a um lado mais plástico, composto, enriquecido com cores abundantes, reflexos em espelhos, composições em profundidade e tomadas aéreas, em uma abordagem do diretor que não apenas tenta emular a estética espanhola mas também eviscerá-la e descobrir  para além das paixões um desespero visual progressivamente escuro e cinzento que afeta todos os seus personagens decadentes porém orgulhosos demais para assumir a própria condição. 

O conflito que Farhadi cria entre o casal Bardem e Cruz é interessantíssimo e ao lado do sequestro mantém o interesse do espectador até o final da trama, mas já não se pode dizer o mesmo de Ricardo Darín, aqui em performance mais contida que pouco soma à trama apesar da construção envergonhada e silenciosa de um homem que tinha muito mas perdeu tudo e se ancora agora apenas na fé que o salvou do vício. Acaba como um personagem-satélite que ao invés de continuar, expande a trama em outras direções nessa espécie de olhar a partir de um gênero sobre relações sociais mudando.

Não ajuda também que Farhadi guarde tramas tão importantes para o elenco secundário além do trio principal mas só os acione de maneira tardia. Como personagens de fundo compunham uma paisagem humana peculiar de vizinhança onde todo mundo se conhece, mas à medida que seus personagens destacam-se, fica a sensação de que por trás do ex-triângulo amoroso escondia-se um outro filme com outros personagens tão interessantes quanto, mas no final ficam desperdiçados como elemento de surpresa enquanto poderiam render bem mais enquanto trabalhados no suspense.

De qualquer forma, a condução sensível de Farhadi, muitas vezes dispensando palavras em seu roteiro e resolvendo jornadas emocionais dificílimas através de pequenas ações silenciosas, garante um filme que imageticamente diz muito sem precisar esforçar-se muito explicando textualmente. Ainda que inferior, mais maduro e incrivelmente bem resolvido. Pode até não transcender, mas tudo que conquistou admiradores de Farhadi em outros filmes marca presença aqui.

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