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Togo

(Togo, 2019)
7,2
Média
13 votos
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Sua nota

Críticas

Cineplayers

Da desconfiança à lealdade

6,5

Desde a conclusão da compra dos estúdios Fox pela Disney sabia-se que haveria uma fusão que elevaria ainda mais o poderio da gigante idealizada por Walt em um período situado no início dos anos 1920. Não demorou muito, após essa aquisição, para que a casa de Mickey e cia lançasse o seu próprio serviço de streaming, num território já explorado e palco de muita concorrência. O Disney+, como ficou batizado, estreou em terras estadunidenses no mês de novembro. O ano era 2019. Aproximadamente 365 dias depois, foi a vez do catálogo com os títulos clássicos da Disney disponibilizar seus muitos filmes por aqui.

Um dos primeiros filmes originais do serviço da Disney foi lançado junto com a plataforma e levou o nome de Togo, cão de trenó notabilizado por participar de um revezamento importante no início do século passado. A missão era importantíssima: participar no transporte de medicamentos que combateriam uma epidemia de difteria. Eis que ficou ao encargo de Ericson Core, diretor com certa rodagem, ambientar o cenário onde tudo ocorreu – já que se trata de uma produção inspirada em eventos reais -, em uma diegese que espelhasse aquele contexto e ambiente gelados. O que serve de inspiração aqui é uma região com várias cidadezinhas cobertas de neve e uma comunidade pacata.

Pra começar falando dos pontos positivos de Togo, é necessário que se pontue as locações utilizadas para as filmagens. Com o mérito, claro, de serem captadas por uma câmera atenta a detalhes, que usa de tomadas aéreas quando se é para dimensionar para o espectador a vastidão daquele pano de fundo gélido, elas são demonstrativas de um trabalho cuidadoso por parte da equipe de produção. Há um trabalho minucioso e zeloso com toda a ambientação no filme, para que ela cumpra uma função estético-narrativa crível e deslumbrante aos olhos.

O Alasca do filme é muito bem representado em tela. E também é palco para um primeiro ato cujo objetivo é situar o espectador aos poucos sem muita originalidade, mas com um pragmatismo que funciona. Há cenas no presente. Há cenas no passado. Um bate e volta, com marcações temporais e os habituais flashbacks, convenhamos, já até esperados em uma produção caprichada, é verdade, mas que segue, digamos, uma receita do cinema family friendly. Togo é isso, em suma.

Retornando ao ponto que traz à baila os destaques positivos de Togo, como não falar de Willem Dafoe? Seu personagem no filme, um descendente de noruegueses um tanto quanto reticente e desconfiado, é muito bom em decorrência da experiência do ator que, embora aqui esteja longe como um planeta está da Terra em termos de performance, funciona na lógica operacional do filme, que faz com que cada elemento funcione e seja eficiente aos moldes de uma boa Sessão da Tarde.

A trilha, assinada por Mark Isham, evoca um bom senso de aventura e ajuda o espectador a embarcar junto do interessante feito animal que o filme almeja demonstrar com esmero. Especialmente na primeira metade do filme, as notas tocadas são bem discretas e casam com as imagens, demonstrando que há uma sintonia boa, ainda que não originalíssima, entre os elementos da mise-en-scène. Quase tudo tecnicamente no filme funciona e não deixa margem para que se questione se elemento X ou Y é duvidoso ali.

Narrativamente, entretanto, o filme fica aquém de expectativas mais exigentes. O ritmo oscila e ele perde a oportunidade de enriquecer algumas questões. Uma possibilidade era Togo explorar mais a urgência da sua problemática central, envolvendo questões de saúde, e até mesmo o núcleo humano, que por vezes mostra-se interessante na relação entre o protagonista Leonhard Seppala, interpretado por Dafoe, e sua esposa Constance, vivida pela boa Julianne Nicholson, mas em outros momentos demonstra o fiapo dramático que é.

Ainda que Togo conscientemente acerte em focar no cachorro, desacreditado por seu dono incrédulo no começo da película, mostrando a transformação dele com seu líder tão humano quanto meio impaciente, que passou a enxergá-lo como um animal bastante leal e companheiro, é um filme que parece confortável em usar os coadjuvantes como meros torcedores numa plateia assistindo aos animais desfilarem no bom cenário de cinema pipocão que o longa proporciona. Há um par de cenas para um espetáculo visual e poucas que realmente te fazem sentir tanta empatia pelos humanos, quer sejam aqueles acamados, esperando pelo soro que viria com a epopeia daqueles cães atravessando temperaturas abaixo de zero para trazê-lo, quer sejam os envolvidos em toda a logística para transportar esse medicamento, atravessando gelo fino e contando com a força de bravos e companheiros animais, que aqui são o melhor amigo do homem.

Togo, em suma, é uma boa opção pra ser assistida com a família toda reunida. Mesmo que seja uma aventura subdesenvolvida em termos fílmicos, ela cativa porque reafirma aspectos bonitinhos que a Disney carregou em toda sua produção cinematográfica ao longo da história. O longa não cai num sentimentalismo chato e barato e suas quase duas horas de duração, ainda que não se mantenham tão interessantes na íntegra, passam relativamente rápido. Me faz relembrar Resgate Abaixo de Zero (2006), aquele com o saudoso Paul Walker, filme que vi e revi com meu pai, numa época em que assistíamos a filmes juntos quase todo final de semana, e também me remonta a valores como confiança, amizade, lealdade, união etc. Togo, o cão mais fraco e frágil da ninhada, como dissera a personagem de Dafoe no começo do filme, ganhou a confiança de seu dono, que dele quis abrir mão mais de uma vez. No fim, o cãozinho, depois de milhas e milhas percorridas sob a ameaça das tempestades de um inverno rigoroso, cumpriu uma nobre missão e foi de desacreditado a herói. De vasto pelo e quatro patas.

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