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Tommaso

(Tommaso, 2019)
6,7
Média
9 votos
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Sua nota

Críticas

Cineplayers

Masculinidade tóxica e arcaica

6,0

Um homem das artes alquebrado, sobrevivente aos seus vícios e a sua masculinidade mumificada, vivendo em prol de uma esposa independente que vive sem amarras a qualquer figura masculina. Esse é o protagonista de Tommaso, novo longa de Abel Ferrara que volta a circundar o universo masculino, dessa vez assumidamente doente e dependente emocionalmente. Tommaso declara sua incapacidade de ser um homem desapegado a valores antiquados e se porta eternamente à beira de um ataque de nervos.

O diretor não se furta em pintar seu personagem como um incapaz, um ser em constante recuperação que não consegue alcançar um lugar razoável para manter suas ideias refrigeradas. Pelo contrário, refém de um pensamento retrógrado tão enraizado que uma óbvia tentativa de mudança nem sequer é cogitada, Tommaso só consegue funcionar a contento se todas as suas vontades e compreensões são atendidas; fora isso, se transforma progressivamente numa panela de pressão prestes a explodir e machucar quem estiver ao seu lado. Um homem em constante busca do próximo, mas que não se percebe incapacitado de se alterar para conseguir um equilibro com esse mesmo próximo.

No corpo de Tommaso, o Willem Dafoe que nos acostumamos a ver nos últimos três anos, que emenda trabalhos uns nos outros sempre no limite da excelência. O personagem nas suas mãos gera a empatia que no papel nunca viria, e com Dafoe pudemos vislumbrar um sem número de camadas envolvendo esse ser humano cheio de contradições e capaz de incomensurável amor pela filha pequena e de cobrar de maneira absurda uma postura mais subserviente da mulher. Um homem traumatizado com a própria família a ponto de querer criar uma perfeita, mas com bases tão anacrônicas que qualquer que fosse a esposa não resistiria a seus caprichos de macho das cavernas; ainda assim, o ator nos mostra uma forma de compreender suas angústias e ausências, ainda que injustificadas.

Enquanto trata do universo familiar e da gradativa enfermidade emocional de seu protagonista, Ferrara consegue ser objetivo ao filmar e conduzir esse homem muito atrás do seu tempo. Filmando da maneira irrequieta de sempre, quase como em estado febril, o diretor varre com sua câmera as ruas que Tommaso explora com muito detalhamento e muita intimidade. Mas ao adentrar o universo delirante de seu personagem-título, a pitada de misoginia presente no homem começa a se impregnar no próprio filme, e cenas que exploram a nudez feminina gratuitamente começam a se tornar tão frequentes quanto despropositadas e repetitivas, acrescentando falta de cuidado ao que também é falta de criatividade.

Talvez Tommaso, homem e obra, tenham mais em comum do que deveriam, e ao se comunicarem mais do que seria considerado aceitável, o filme ultrapassasse um limite ético e ainda se conformasse em ser um arremedo de imagens iguais em estágio avançado. A 'humanidade' do personagem então acabasse borrando os lugares que separam o bom senso da falta de senso, o cinema enxuto de um lugar da reiteração, absolutamente defeituoso para qualquer obra.

Crítica da cobertura do 21º Festival do Rio

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