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Críticas

Cineplayers

Jangada de força inegável.

7,0
Na abertura, ex-presas políticas tentam desenhar a prisão de Tiradentes em São Paulo, que durante a ditadura militar ficou conhecida como Torre das Donzelas, por abrigar apenas o contingente feminino da repressão. O interior do ambiente carcerário é rascunhado em lousa por todas, e o mais emblemático é o fato de que nenhum desenho sem igual ao outro. Com suas particularidades, todas aquelas mulheres viveram uma experiência coletiva avassaladora e transformadora, absolutamente traumática, porém ímpar, palavras de todas elas.

Susanna Lira resolve ir além de fazer um documentário que redescubra esses olhares, esses rostos e essas vozes, sempre apagadas. De posse das lembranças delas, a diretora recriou o ambiente da prisão demolida há tantos anos em cenário, e convidou cada uma delas para adentrar o passado e reencontrar as mulheres que elas eram há 50 anos atrás. Que os depoimentos seriam contundentes, era o esperado. Mas trabalhando com um dispotivo tão específico e impactante, o filme embarca em um misto de sentimentos, tais como o medo, a emoção, o susto, todos impressos no rosto da primeira delas a se expor àquele modus operandi muito absorvente.

A recriação daquele cenário de horror ocupa grande parte do chamariz da produção, que aos poucos revela os lados mais absurdos e pouco conhecidos da luta armada. Um caráter machista perpassava muitas falas masculinas naquele tempo, que cerceava a participação feminina porque 'mulher menstrua e engravida'. A forma como outras mulheres da época as viam e as declarações de cada uma delas é a outra banda do filme, que é basicamente um 'talking head' (divisão do documentário que consiste em entrevistas somente, daí a expressão - cabeça falante), porém com esse fascinante dispositivo criado e montado para a produção.

As declarações de peso delas ('eu não tinha medo de morrer, era lucro se eu morresse') são o forte do filme, que perde pontos quando começa a detalhar e reiterar tudo que já foi dito e mostrado em cena. O filme ainda promove uma dramatização dos fatos narrados por elas com atrizes jovens, que torna tudo redundante e com um pé na breguice, e fica também a necessidade de um trabalho de montagem mais eficaz, que organizasse o filme na ordem do que mostrar, tendo em vista que se ganharia nas intenções de provocar ainda mais reflexões, caso as sequências tivessem menos interrupções.

A potência do que está na tela é inegável e é impossível não se afetar pelos relatos, pela força dos closes em corpos unidos aos relatos, pela união e crescimento que vêm daquela experiência coletiva, e a presença da ex-presidente Dilma Rousseff horizontalizada, com expressão forte e poderosa mas completamente adequada ao tratamento geral. O filme evidencia também o poder destruidor que o silêncio pode provocar na sociedade, uma forma de prisão muito mais efetiva e muito mais enclausurante do que o que foi pretendido pela repressão. Um filme que, apesar de tudo, exala liberdade, alegria de viver e inspiração política, um grupo de mulheres dos mais poderosos que sobrevivem as intempéries, dentro e fora da tela, e independente de todas elas. 

Filme visto no Festival de Cinema de Brasília

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