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Críticas

Cineplayers

Adorado pelos críticos americanos, obra do diretor Wes Anderson definitivamente não é para todos os gostos.

5,0

A crítica cinematográfica nunca mais será a mesma depois da Internet. Com a profusão de informações existentes da rede, ficou muito mais fácil para o cinéfilo se antecipar aos lançamentos, obtendo desde logo dados sobre a produção, pôsteres, baixar trailers, trocar e-mails com críticos americanos, enfim, uma gama de atividades antigamente impensáveis. Uma das características mais interessantes que vejo atualmente é que as informações sobre determinado filme, disponíveis em seu site oficial, ou em endereços especializados, podem representar um fôlego extra na bilheteria. Veja o caso clássico de A Bruxa de Blair (The Blair Witch Project, 1999), filme que talvez entre para a história do cinema mais pelo modo esperto como foi vendido aos espectadores do que pelos seus méritos. A história do falso documentário apresentada em seu site oficial foi aceita de tal forma pela mente do público – especialmente o americano – que a febre que se formou em torno de seu lançamento, criou o clima adequado para o grande sucesso de bilheteria.

A influência da Internet também pode ser sentida neste Três é Demais (título nacional dos mais infelizes). Em outros tempos, ele certamente seria lançado direto para o mercado de vídeo, e mesmo assim, não despertaria muita atenção. Eu mesmo o teria assumido como mais uma comédia de adolescentes americanos, passada no campus de uma faculdade qualquer, mostrando as aflições do início da vida sexual de um bando de jovens espinhentos. No entanto, as referências com a que a fita chegou ao Brasil, trazidas pelas excelentes resenhas que recebeu dos sites especializados, indicava algo diferente. Não foram poucos os críticos americanos que o elegeram como um dos 10 melhores filmes de 1998. Muitos analistas não pouparam adjetivos à interpretação de Bill Murray, considerada como uma das melhores de sua carreira. O cartão de visitas foi dado pela rede mundial de computadores. A propaganda boca a boca cuidou do resto. Era impossível não dar uma oportunidade para sua exibição em tela grande e a conquista de um público mais amplo.

Levado por esse burburinho, lembro que, na época, assisti a fita com grande expectativa. Confesso que foi impossível esconder a decepção. Não que seja um filme ruim, mas não justificava tamanho alvoroço e elogios da crítica especializada. Considerando a baixa qualidade dos trabalhos seguintes do diretor Wes Anderson (Os Excêntricos Tenenbaums e A Vida Aquática de Steve Zissou), percebo que a Internet, desta vez, fez um gol contra.

A história se passa na Academia Rushmore, e se centra na figura de Max Fischer, interpretado por Jason Schwartzman (filho de Talia Shire, sobrinho de Coppola, e cada vez mais especializado em papéis estranhos – vide o caso Huckabees - A Vida é uma Comédia). Ele vive um rapaz de 15 anos, brilhante por conseguir administrar diversas atividades paralelas ao estudo, como a edição do jornal local, a presidência dos clubes de xadrez, astronomia, de francês e alemão, a direção da associação de cultivo às abelhas, e a criação do grupo de teatro escolar. Ao mesmo tempo, é um péssimo estudante, estando prestes a ser jubilado do instituto em função das constantes notas baixas. Fischer tem uma personalidade complexa: aparentemente, ele tem vergonha de sua família. Chega a esconder das outras pessoas a verdadeira profissão de seu pai (Seymour Cassell). Além disso, é por vezes arrogante, egoísta, impertinente, inconveniente. Por outro lado, é um garoto inteligente e muito mais maduro que seus colegas de classe. Seu sentido da vida se altera quando ele se apaixona pela professora infantil Rosemary Cross (Olivia Williams). Ela tem o dobro de sua idade e se recupera da recente morte de seu marido. Paralelamente, Fischer torna-se amigo de Herman Blume (Bill Murray), um bem sucedido, mas infeliz, empresário de alumínio da cidade. Herman fica impressionado com o lado adulto de Fischer, muito avançado para os garotos da sua idade, incluindo aí seus barulhentos e irritantes filhos. Por este motivo, decide ajudá-lo na conquista de Rosemary. Com o tempo, ele também se apaixona pela professora e transforma aquela relação num complicado e estranho triângulo amoroso.

O filme não pretende extrair da platéia grandes gargalhadas. O roteiro, escrito pelo próprio diretor Wes Anderson em parceria com Owen Wilson, preocupa-se em extrair as situações engraçadas do cotidiano das pessoas que habitam a escola, todas elas oriundas das atividades de Fischer. Após instaurado o conflito amoroso, a história sai do ambiente escolar, focando-se mais nos três personagens principais. As piadas surgem em função das tentativas de conquista de Rosemary pelos dois pretendentes (Herman quebrando a bicicleta de Fischer; a tímida e desastrada tentativa de Herman convidar Rosemary para sair; o falso machucado de Max etc.). Antes amigos e admiradores recíprocos, passam a disputar o amor da professora com unhas e dentes, sempre usando de ações baixas para colocar o outro para trás. Mas ainda assim, o filme não tem muita graça, talvez porque os personagens sejam demais desprezíveis para nos importarmos com eles.

Três é Demais me lembrou o movimento britânico free cinema, formado por alguns clássicos como Odeio Esta Mulher (Look Back in Anger, 1958), Almas em Leilão (Room at the Top, 1959), Tudo Começou num Sábado (Saturday Night and Sunday Morning, 1960), Um Gosto de Mel (A Taste of Honey, 1961) e This is Sporting Life (Idem, 1963). Estas obras revelaram ao mundo cineastas como John Schlesinger, Tony Richardson, Karel Reisz, Lindsay Anderson e Jack Clayton. Nem todas elas estão particularmente na minha lista de favoritos, mas sou o primeiro a reconhecer seu valor artístico, cultural e histórico para o cinema de modo geral. Elas representaram uma ruptura do estilo britânico de filmar, fugindo das velhas adaptações teatrais e comédias ligeiras. As câmeras foram levadas para a rua, os cenários passaram a ser naturais, o roteiro tratava dos reais problemas do proletariado e estudantes, os atores buscavam uma interpretação mais voltada à realidade dos personagens, e a estética e a estilização eram deixadas de lado. O free cinema representou para a Inglaterra algo parecido com o neo-realismo na Itália, em meados dos anos 40, e o movimento Dogma na Europa, nos do Século XX.

O filme que mais me veio à mente foi Se... (If..., 1968), de Lindsay Anderson, vencedor da Palma de Ouro em Cannes. A rebelião estudantil, a insatisfação com o status quo, o sentimento de liberdade, a necessidade de novas conquistas, tudo isso também está presente, ainda que em menor escala, em Três é Demais. Wes Anderson enxerta ao longo de sua obra diversos jingles britânicos daquela época. O humor é sutil, menos gritado que o americano. São características que o aproxima ainda mais daquele estilo cinematográfico. Mas é evidente que a comparação é meramente ilustrativa e serve apenas para tentar desvendar a intenção do diretor. Três é Demais, infelizmente, não possui a ambição daquelas importantes obras, e limita-se a discutir os problemas do triângulo amoroso instaurado entre os personagens principais.

O trio de atores que comanda o filme está bem, mas não excepcional. Destaco o protagonista Jason Schwartzman, que sabendo que tinha um personagem antipático nas mãos, tratou de ressaltar ainda mais seu lado negativo, com olhares arrogantes, jeito intelectual metido à besta, vestimentas e penteados lotados de gel que o tornam ainda mais detestável. Ele atua na medida exata, com ironia quando mente descaradamente para seus colegas sobre sua intensa vida sexual, e insuportável cara de pau nas investidas amorosas que faz sobre Rosemary. É impossível simpatizar-se pelo seu personagem, e isso se deve a seus méritos.

Bill Murray faz o papel de um homem de meia idade, infeliz com a sua esposa adúltera, filhos histriônicos e vida de empresário. Na primeira parte do filme, ele passa a noção correta da pessoa enfastiada com o próprio cotidiano. Na segunda, transmite ao seu personagem uma excitação até então inexistente e uma inesperada falta de escrúpulos ao conhecer um novo alento na paixão pela professora. Ainda assim, nada que valesse tantos prêmios ou que pudesse ser considerada sua melhor interpretação (ele foi o melhor coadjuvante na opinião das associações de críticos de cinema de Nova Iorque e Los Angeles, indicado ao Globo de Ouro nesta mesma categoria e esteve cotadíssimo ao Oscar, o que acabou não ocorrendo).

Quem completa o triângulo é Olivia Williams, que já tivemos oportunidade de ver no indesculpável O Mensageiro, como par romântico de Kevin Costner, e no já clássico O Sexto Sentido, fazendo a esposa de Bruce Willis. É uma boa atriz, com indisfarçável sotaque britânico (outro elemento de comparação com o cinema daquele país), mas que não justifica tamanha disputa de sexos.

Três é Demais é um filme que fica no meio termo. Definitivamente não é para todos os gostos. Como todos os outros longas de Anderson, este aqui é mais estranho que bom. Por isso mesmo, é bem provável que o espectador se sinta convidado a desistir de acompanhar a história logo nos primeiros 15 minutos, já que os personagens e história teimam em não tomar um rumo definido. É a opção do diretor por uma comédia original e que foge dos padrões do cinemão comercial. Se isto é um defeito ou virtude, cabe a platéia decidir. No meu caso, esperava um filme mais interessante, mais inventivo, mais inteligente. Ou seja, tudo aquilo que os críticos americanos diziam a seu respeito. Não que essas qualidades não estejam presentes, mas com certeza Três é Demais não é o filme que os sites da Internet anunciavam ao final de 1998.

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