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Críticas

Cineplayers

O nirvana gamer-tecnológico-visual de sua época.

6,0

Em uma época onde o ápice de tecnologia gamer palpável para o público caseiro era ‘River Raid’ (1982) e ‘Enduro’ (1983), as famosas casas de fliperamas faziam muito sucesso entre os jovens. Assim seguiu pela década seguinte, até o desinteresse quase geral na última. Hoje mal existem tais lugares, onde crianças, na saída do colégio, compravam fichas com o dinheiro economizado do lanche; ou até existem, mas com máquinas ultrapassadas e sem os principais lançamentos, já que o retorno financeiro não é mais o mesmo de outrora.

Assistir a Tron – Uma Odisséia Eletrônica (Tron, 1982) sem considerar o impacto causado à época é privar praticamente tudo o que ele ainda tem a oferecer: uma aula de história não intencional sobre a tecnologia vigente no começo dos queridos 80’s. Seu jeitão de videogame assumido certamente inspirou um novo estilo de jogos, os famosos FMVs (Full Motion Videos), já que as limitações técnicas dos hardwares não permitiam aos gamers controlar um personagem naquele nível de detalhes (era uma época pré-Nes, não esqueçam). Poucos pixels, poucas cores e praticamente nenhuma memória eram os maiores obstáculos, onde apenas os mais criativos conseguiam destaque por burlar tais dificuldades com muita imaginação.

FMVs são jogos baseados em sequências de vídeos que, vez ou outra, o jogador toma uma decisão, ou deve apertar um botão específico, para que a história tenha continuidade. Títulos como ‘Dragon’s Lair’ (1983) e ‘Mad Dog McCree’ (1990) provavelmente foram inspirados nas imagens concebidas por Tron, em sua projeção sobre o futuro dos games. A questão é que os jogadores sempre foram fanáticos por novas tecnologias, como, por exemplo, os periféricos que aumentavam a realidade virtual da experiência; alguns um sucesso, outros um fracasso. Quem viveu o período e se interessava pelo assunto jamais esqueceu os óculos ‘3D SegaScope’ (Master System, 1986), a ‘Power Glove’ (Nintendo, 1990) ou o ‘Virtual Boy’ (Nintendo, 1995). Tron fez exatamente o mesmo por seu público, expandindo ideias e possibilidades, mas na escala cinematográfica.

Kevin Flynn (Jeff Bridges, novinho) é um ex-programador de uma companhia de softwares gigantesca, que tenta invadir os arquivos de lá para provar que é o verdadeiro autor dos jogos que tornaram seu ex-chefe milionário. Em uma dessas investidas, a máquina central da cidade vê Flynn como uma séria ameaça ao seu funcionamento e o coloca, com o intuito de controlá-lo, no universo digital paralelo que há no filme: um imenso mundo de chips, circuitos, cores e falta delas, habitado por ‘programas’, em forma de humanoides, com roupas próprias e fidelizados aos seus criadores, conhecidos como usuários. Flynn, um usuário no mundo dos programas, deve encontrar a prova que procura e escapar ileso da maneira mais rápida possível desta enrascada eletrônica.

Em torno dessa simples história, Tron baseia-se em uma jornada semipsicodélica, com formatos desbotados para diferir o mundo real do virtual, em um dos primeiros entretenimentos a utilizar em larga escala a computação gráfica. O inimigo diferencia-se do aliado de maneira óbvia, azul versus vermelho, e as cenas de ação são hoje tão obsoletas quanto à tecnologia em questão, como as corridas de moto ou as perseguições dos tanques. Se, em trinta anos, o cinema evoluiu tanto, o que dizer dos jogos eletrônicos?

Apenas no período próximo a dez anos, o cinema conheceu O Exterminador do Futuro 2 – O Julgamento Final (Terminator 2: Judgment Day, 1991) e Jurassic Park – Parque dos Dinossauros (Jurassic Park, 1993), enquanto os fliperamas já estavam jogando os clássicos ‘Street Fighter 2’ (Arcade, 1990) e ‘X-Men’ (1992) – todos muito superiores ao que é visto neste filme. Porém, quem nasceu no final da década de 70, início dos anos 80, não ligou muito para essa falta de complexidade e pôde passar tardes e tardes na companhia das inúmeras reprises responsáveis por atiçar a mente dos consumidores de fichas. Sua música, por exemplo, ecoa até hoje nos sentimentos daqueles que são nostálgicos por natureza.

Na verdade, Tron divide-se justamente em quem guarda com carinho o que ele trouxe para sua geração e aqueles que não viram / nunca gostaram de games – esses com um pouco mais de dificuldade em entender sua real importância para esta seleta fatia de público. Vale como curiosidade, pelo visual em preto-e-branco pintado na pós-produção, por um Jeff Bridges novinho e para conhecer de onde veio essa ideia maluca de Tron – O Legado (Tron Legacy, 2010), que adapta novamente a história a uma tecnologia atual, com Bridges reprisando o papel já trintão. Se tirar os fatores curiosidade e nostalgia, fica o aviso: não sobra muita coisa mesmo não. Só não reclame depois.

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