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Críticas

Cineplayers

Ficção etnográfica funciona muito bem em seu registro que adquire um caráter universal com sua linha dramática.

7,0

Dirigido por quem vinha de experiências com documentários, Tulpan representa a estréia de Sergey Dvortsevoy num formato mais próximo ao de filme de ficção. Ainda assim, ficção em termos, porque o filme começa com um forte olhar documental sobre a rotina e os costumes de uma comunidade à parte da civilização, no deserto do Cazaquistão.

Em seu começo, o filme se detém em um olhar para os costumes e personagens que integram a família do povo nômade retratado em longas tomadas que exploram a paisagem no meio do nada dentro das estepes malásias. É quando percebemos em Tulpan uma crença no documentário não apenas como um recurso capaz de apreender a “verdade”, mas especialmente como suporte para um passo mais largo rumo ao trabalho de ficção.

Aos poucos, Tulpan vai de encontro a uma narrativa ficcional que vai se impondo progressivamente, coligando-se com o seu caráter documental. As figuras em cena vão ganhando em densidade, em aprofundamento, adquirindo dimensões humanas e personalidades próprias diante dos nossos olhos. São personagens agrupados em um aglomeramento social como outro qualquer, sem nenhum traço de exotismo ou demagogia por parte do cineasta ao filmar esse grupo humano residindo em um ambiente e cultura distintas.

O que torna Tulpan uma obra envolvente é a câmera recorrente na construção de um espaço em sua movimentação ininterrupta no registro das ações simultâneas dos personagens, em suas atividades comunitárias e de sobrevivência. Dentro da família que ocupa o centro do filme, a atenção maior é direcionada ao jovem Asa, que após o serviço militar retorna à região natal com a idéia de se tornar um pastor de ovelhas. Nas estepes, o grande sonho almejado pela maioria é ser dono de um rebanho de ovelhas, o que servirá de garantia para a própria subsistência.

Mas para ter o seu próprio rebanho, Asa precisa se casar, porém a única solteira disponível é Tulpan, filha de uma outra família vizinha, que o rejeita quando ele a pede em casamento, por conta das orelhas de abano do rapaz. O personagem masculino passa a viver um tanto perdido em meio aos quilômetros de deserto nas estepes, sem a perspectiva de outras pretendentes e sofrendo com a falta de experiência com o tratro de ovelhas, mas conservando o desejo de ter uma esposa e possuir um rebanho.

A força de Tulpan é sobretudo decorrente da interação homem-natureza, das figuras humanas em meio aos animais em um deserto inóspito absolutamente distante da linha do horizonte, convivendo com a eterna presença do vento que sopra incessante e que resulta em cenas visualmente poderosas, como as tempestades de areias voando. Mas nada supera o momento mais belo do filme, o nascimento do filhote de ovelha pelas mãos de Asa, em que a tensão emocional pelo modo como é filmado (e por tudo que representa para quem acompanhou o filme até o seu clímax) suplanta a beleza decorrente da veracidade daquele registro. Se havia alguma desconfiança em relação a discreta grandeza desse filme de Sergey Dvortsevoy, essa então é uma suspeita que se desfaz ao final de Tulpan.

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