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Críticas

Cineplayers

Miley Cirus desconstroi imagem de ícone da Disney em romance clichê e inofensivo.

5,0

A Última Música (The Last Song, 2010) é tão clichê quanto dizer que não se gosta de Miley Cyrus. A cantora e atriz, criada e elevada ao status de popstar teen pela Disney com a série de TV Hannah Montana, quer provar que não é apenas um produto e, com este trabalho, arrisca seu primeiro papel dramático da carreira, ainda que não se saia tão bem e precise mesmo daquelas aulas de interpretação que volta e meia diz estar tendo.

A história é baseada em um romance de Nicholas Sparks, o autor da moda, que desde Uma Carta de Amor (Message in a Bottle, 1999) vê seus romances ganharem a tela grande em escala quase industrial: Um Amor Para Recordar (A Walk to Remember, 2002) fez inúmeros adolescentes chorarem pela história de amor interrompida; Noites de Tormenta (Nights in Rodanthe, 2008) seguiu pelo mesmo caminho, mas almejando públicos mais maduros; Querido John (Dead John, 2010) veio logo depois, seguindo a linha romântica de difícil manutenção, com um quê de ‘guerra’ temperando a história. Eis que chegamos neste A Última Música, que começa a estabelecer características recorrentes do escritor, como sua fixação por praias distantes da ‘sociedade’ e as doenças interrompendo os sonhos de quem povoa seus mundos.
 
Miley Cyrus é Ronnie Miller, uma adolescente revoltadinha com tudo e com todos que se vê obrigada a passar uma temporada de veraneio na casa do pai (Greg Kinnear, mais uma vez excelente), com quem tem uma difícil relação desde que ele e sua mãe (Kelly Preston) se separaram. Com seu irmão menor Jonah (Bobby Coleman, surpreendentemente bom) irá viver momentos de aproximação, descoberta e redenção, tendo como ponto de vista os pensamentos e atitudes de uma adolescente extremamente irritante da cidade grande que se vê como um peixe fora d’água em uma cidade pequena praieira.

Só que Nicholas é um escritor muito água com açúcar, com sérios problemas estruturais, e quando pega uma diretora como Julie-Anne Robinson, inexperiente em longas metragens (seu currículo provém basicamente de séries como Grey’s Anatomy), a chance para que tudo saia dos trilhos é bem grande. Junte isso ao fato de Miley Cyrus não ser lá grande coisa como atriz e temos um resultado bem mediano como arte, sendo nada mais do que um episódio juvenil para quem não tem lá uma bagagem cinematográfica muito exigente. É basicamente um filme para atrair jovens e, nesse sentido, até entrega o que propõe.

Visualmente muito bonito, o filme lembra um pouco o ar campestre da série Dawson’s Creek, e algumas cenas realmente vão ficar na memória dos jovens, principalmente dos fãs de Miley Cyrus – se um ou outro achará este filme excepcional, os fãs da cantora irão ter a certeza de que este é o melhor que já viram na vida. Mas não se deixe enganar: com uma estrutura óbvia e toda manipulada para fazer as pessoas chorarem no final, tudo o que envolve A Última Música é premeditado e reutilizado - há o amor de verão, a imperfeição das pessoas, os jovens que fazem idiotices, a reaproximação com o pai, enfim, cumpre bem o manual de como se fazer um romance juvenil.

Percebe-se que Miley Cyrus quer se desprender da imagem de santinha captada ao longo dos anos pela Disney, onde tem aparecido com shorts curtíssimos, quase sempre de barriga de fora e tascando beijões cinematográficos molhados em seu parceiro de cena forte e sarado, mas, na verdade, a adolescente irritante convence muito mais do que a femme fatale de araque – talvez pelo velho clichê onde ‘arte imita a vida’. Nos momentos chave da trama, quando ela deveria convencer e arrancar lágrimas, não conseguimos sentir nada; e isto é terrível para as pretensões do longa. Bobby Coleman, que faz seu irmão mais novo, é muito mais convincente e bom ator, mostrando que Hollywood tem mesmo a habilidade de descobrir jovens talentos para estes papeis que, no Brasil, quase sempre são uma lástima. Seu personagem lembra muito aqueles jovens inocentes e imaginativos da década de 80.

A boa verdade é que este A Última Música não ofende ninguém e, de quebra, ainda vai conquistar uma boa dose de fãs por ser uma história batida, mas contada de forma inteligentemente comercial, ainda que nada acrescente aos mais exigentes. A lição fica mesmo para Nicholas Sparks, que aqui assina também o roteiro, já que vem mostrando tendências repetitivas e meio que sem idéias. Se quer continuar vendo seus romances conquistarem os quatro cantos do mundo, precisa se reinventar. Seu próximo trabalho será The Lucky One, com Zac Efron no papel principal e data prevista para 2012. Não podemos jamais subestimar o poder do cinema: quem sabe, no futuro, mesmo com todas suas limitações, este filme não seja o responsável pelos jovens de hoje terem interesse em Bergman, Antonioni, Hitchcock, Kubrick, etc.

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