Saltar para o conteúdo

Críticas

Cineplayers

Um filmão de ação, confirmando esta como uma das grandes trilogias do gênero nos últimos anos.

8,5

Não é fácil ser Jason Bourne. Desde que foi resgatado, sem memória e com buracos de bala pelo corpo, por pescadores franceses, ele foge. Praticamente sem descanso, Bourne pula de país a outro, de continente a outro, tendo que escapar de assassinos incrivelmente treinados enquanto tenta descobrir sua verdadeira identidade. Uma vida, convenhamos, nada agradável, que já lhe causou a perda de um grande amor e o colocou em cheque com sua própria moral.

Este foi o cenário apresentado e desenvolvido em A Identidade Bourne e A Supremacia Bourne, os dois primeiros filmes da saga do agente desmemoriado interpretado por Matt Damon. Adaptação mais do que livre dos livros de Robert Ludlum, a trilogia de Bourne chega agora ao seu capítulo final (será?) em O Ultimato Bourne, novamente sob o comando enérgico de Paul Greengrass, mesmo diretor da obra anterior.

Desta vez, a história tem início com um jornalista britânico, que revela informações sobre uma tal Operação Blackbriar. Apenas a menção deste nome desperta a atenção das agências de inteligência norte-americanas e de Jason Bourne, que está conectado de alguma forma com tudo isso. Bourne encontra aí a oportunidade de descobrir novas informações sobre seu passado e parte nesta investigação enquanto é perseguido em diversas cidades do mundo.

Este é o grande diferencial de todos os filmes da trilogia: Bourne, ainda que caçado e uma ameaça para governos, está em busca de si mesmo. Sua investigação, sua perseguição, não possui o objetivo de revelar e derrubar algum vilão, mas, sim, desmascarar o próprio Bourne. Em outros filmes de ação e espionagem, a grande questão é sempre uma: quem está por trás de tudo? Em O Ultimato Bourne, a pergunta é: quem é o protagonista?

A mudança de foco proporcionada pelo enredo dá ensejo a algo cada vez mais raro no cinema de ação: o desenvolvimento dos personagens. Jason Bourne é humano. Ele sofre, se machuca e possui uma complexidade moral que o torna uma pessoa real, não apenas um super-herói infalível. Apesar de letal e ameaçador, o personagem é emocionalmente vulnerável, amargurado em função da perda tanto da pessoa que amava quanto de sua própria identidade. Além disso, Bourne ainda é atormentado por fantasmas de um passado que permanece na escuridão, onde todos os assassinatos cometidos devastam ainda mais sua moral já fragilizada.

No entanto, Greengrass e os roteiristas cometem um deslize ao fazerem de Jason Bourne um mocinho mais invencível do que nos filmes anteriores. Não que ele não se machuque; Bourne ainda sangra e sofre fisicamente com tudo o que acontece, porém, em grau menor do que ocorria antes. A Supremacia Bourne, por exemplo, encerrava com Bourne mancando, suado e sangrando. Aqui, em O Ultimato Bourne, o personagem escapa de explosões a poucos metros, brigas viscerais e acidentes de carro com apenas alguns arranhões.

É aí que entra o talento de Matt Damon. Mesmo com o problema citado no parágrafo acima, o espectador jamais perde a noção de que ali está uma pessoa real e não apenas um herói de ação. Bourne é mais do que isso. É um personagem repleto de camadas, que exige um ator de verdade, e Damon comprova mais uma vez ser um dos grandes intérpretes de sua geração e a face indissociável de Bourne, sendo capaz de transmitir à platéia sentimentos tão díspares com gestos mínimos. Seja caminhando em meio à multidão ou sentado em seu quarto de hotel, Damon consegue passar toda a concentração de Bourne, com a mente sempre agindo em busca de soluções rápidas, enquanto revela a turbulência interior do personagem. É um belíssimo trabalho do ator, em um personagem que ele aprendeu a conhecer ao longo dos anos.

Enquanto isso, Paul Greengrass imprime em O Ultimato Bourne o mesmo estilo de direção que tem se tornado sua característica marcante por filmes como Domingo Sangrento, Vôo United 93 e o próprio A Supremacia Bourne: câmera sempre na mão, nervosa e uma constante busca pelo máximo de realismo a cada tomada. No entanto, esta opção do cineasta é uma faca de dois gumes, pois, ao mesmo tempo em que aumenta a urgência e a verossimilhança, também prejudica o acompanhamento das seqüências de ação. Cenas como a de Jason Bourne pelos telhados e a perseguição de carros, por exemplo, ganham em tensão, mas fica difícil para o espectador entender tudo o que acontece, uma vez que a câmera não pára e os cortes são incessantes.

A ação, aliás, é um dos pontos fundamentais de O Ultimato Bourne, apesar de não ser o único. Em um ritmo alucinante, Greengrass constrói uma verdadeira montanha-russa, jamais deixando a bola cair ou diminuindo os batimentos cardíacos do espectador. O que contribui para isso é o roteiro bem amarrado e inteligente, que não funciona apenas como uma desculpa para explosões e tiros, mas, pelo contrário, faz destes momentos algo orgânico à obra, jamais subestimando a inteligência da platéia.

O aspecto mais fascinante do texto de Tony Gilroy, Scott Z. Burke e George Nolfi é o jogo de gato e rato entre Bourne e seus perseguidores. Não basta apenas dar a ordem de execução, no caso das agências, ou fugir, no caso de Bourne. É preciso antecipar o pensamento e as ações do adversário, estar sempre um passo à frente, através de decisões normalmente tomadas em frações de segundos. Esta inteligência do roteiro e dos personagens faz de O Ultimato Bourne um filme que agrada tanto a quem busca adrenalina como quem quer trabalhar o cérebro.

Mas o roteiro também enfrenta alguns problemas. Mesmo que o desenvolvimento e a conclusão da história sejam satisfatórios, o andamento da investigação da Bourne encontra algumas facilidades para que possa seguir em frente. A forma como o personagem descobre o endereço da fonte do jornalista, por exemplo, não convence e, como se não bastasse, Bourne aparece logo depois falando o nome de Davis sem o espectador saber como ele conseguiu a informação.

A sorte de Greengrass é que ele se beneficia incrivelmente do elenco para superar estas pequenas derrapadas. Além de Damon, O Ultimato Bourne conta com uma série de atores veteranos e respeitados, que trazem credibilidade não apenas aos seus papéis, mas também à história como um todo. Joan Allen reprisa seu papel como Pamela Landy, agora mais como uma aliada de Bourne do que antagonista. Quem assume este papel é o ótimo David Strathairn, enquanto Albert Finney empresta toda a sua imponência ao misterioso doutor Hirsch.

Com tudo somado, os erros cometidos por Greengrass e seus roteiristas são mínimos perto do que O Ultimato Bourne oferece em termos de qualidade. A trilogia Bourne veio para modificar os padrões do gênero de ação (o James Bond de Cassino Royale, por exemplo, é derivado direto de Jason Bourne), combinando com maestria altas doses de entretenimento e inteligência. O Ultimato Bourne, mesmo não sendo o melhor filme da série – ainda prefiro A Supremacia Bourne –, é um encerramento justo e digno à jornada do personagem.

E que seja mesmo o encerramento, porque Jason Bourne deve estar precisando de um pouco de descanso.

Comentários (0)

Faça login para comentar.