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Vampiros de John Carpenter

(Vampires, 1998)
6,5
Média
181 votos
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Sua nota

Críticas

Cineplayers

Virilidade iconoclasta do vampirismo Carpenter

8,5

Junção entre um mestre do horror e um dos temas mais tesudos da cultura pop. Filme malandro e cara de pau. Testosterona vampiristosa desértica. Cru. Grosseiro, podre, bagaceiro, violento e afrontoso. Este é o Vampiros de John Carpenter (Vampires, 1998), em que seu diretor mantém sua iconoclastia cinematográfica a serviço da esculhambação. Com direito a muita violência e destroço como ele bem sabe ajambrar. Desde sua abordagem grossa ao alopramento exagerado na proposição maravilhosa em que a igreja católica teria sido a fundadora dos vampiros. Onde a própria teria instituído os malditos.

O Faroeste dos sanguessugas. John Carpenter sinaliza aos seus ídolos, como Howard Hawks e John Ford, mas a serviço de subversão e sacanagem, com uso da fotografia mesclando o cenário desértico com o tom do horror. Com o foco no esquema testosterona movie, este ainda sobrevivendo nos anos 90. O olhar do mestre James Woods e seu alvo, com os nervos de aço e a total presença da brutalidade em suas entranhas. Esquema do cinemão brabo dos anos 80. O cara que nem se despenteia e enfrenta o perigo iminente. Bate de frente com chefes e lideranças outras em prol da sua vingança. Contestador na marra. Estoicismo marginal do sangue. Em tempo, os vampiros são caçados por uma turma de desajustados que são incumbidos e financiados pela igreja católica para tais intentos, porém um mestre vampiro promove um massacre por sobre o grupo e cabe ao escroto Jack Crow do James Woods buscar entender que porra foi a acontecer ali e a partir disto, adentrar num segredo obscuro da galera de reza.

A questão do envolvimento pútrido da Igreja católica na jogada. A Igreja séculos atrás com seu tesão por queimar a galera, e outras merdas, decide exorcizar um padre maldito e acaba por transformá-lo num vampiro imortal. Obviamente a galera clerical quer manter este segredo por debaixo dos panos como sempre, mas cabe ao carniceiro Jack Crow descobrir a putaria inteira e por tudo ao chão. Uma lógica binária e maniqueísta entre bem contra o mal interpelada pelo tom iconoclasta do Carpenter. O primeiro vampiro criado pela Igreja católica. Uma mitologia própria. Nada é grátis em seu cinema. Usa dos métodos mais torpes e escusos para passar uma mensagem de sarro, assim como fizera em Eles Vivem (They Live, 1988) ou em Fuga de Los Angeles (Escape From L.A., 1996). Seu cinema é contestador através dos mais variados filtros do pujante horror que sangra e sibila à espreita da sacanagem. Com o uso do cardeal (o grande Maximilian Shell) em busca duma real imortalidade, que independa da fé. Existindo na carne propriamente dita. Uma mensagem por demais herege, e advinda dum suposto servo de Deus. A demonstração de podridão transubstanciada e transubstanciosa via objetivação tesuda da igreja por sangue e poder metamorfoseada num filme trash de vampiros. Uma instituição criada e mantida com sangue e poder através dos séculos. Nisso a fita se aproveita em tirar um puta sarro na questão, o que nos traz a reboque a escolha do modus operandi abusivo dos personagens dentro da narrativa.

A comunicação via testosterona dos caras (na base da paudurescência literalmente perguntada em conversa ordinária entre dois personagens) banha a fita em mais uma camada de esculhambo e cara de madeira. O torpe da macheza do cinema de outrora. A amizade dos ignorantes como manutenção de sobrevivência intrínseca ao universo obscuro que os cerca, com toda a gama elementar possível, desde execução dos monstros à comemorações regadas a bebida e prostituição das mais variadas, com direito a nudez pornograficamente feminina sub-repticiamente presente, já que macho nu em filme de brabo não se criava. Somente se peitoral fosse. Mas aqui o lance é macheza, sangue, faca, tiro, tripas, igreja, bebida e mulheril. A junção dos elementos externos aos caras servindo como alusão ao terror de suas existências. Como se isso não fosse subterfúgio ou insegurança (como a psicologia social moderna enche o saco em transpor isso o tempo todo como se fosse alguma novidade), mas, sim, a unívoca forma de comunicação possível entre héteros. A continuidade dum desavergonhamento consciente do ridículo de si e das possibilidades propostas ali. E essa porra inventa uma diversão do cacete que corrobora perfeitamente tanto com a narrativa escolhida, quantos nas temáticas clássicas envolvidas (cinema de ação, vampiros, western e os caralhos). E lembrando do tom de sexo sempre presente. Tanto na mitologia vampiresca quanto no cinema dos 80/90 que este material açambarca com vontade. Decididamente.

Como fita desavergonhada que é, suas escolhas se justificam pelo atrevimento proposto e entrega um material de pura diversão sangrenta dentro dum orçamento absolutamente irrisório, mas que seria este a permitir ao Carpenter alçar um mergulho infernal de masculinidade escrota, violência destroçadora e, principalmente, total desrespeito por uma das instituições religiosas milenares mais poderosas de outrora (?). A conjuntura destes elementos molda a obra em busca do desrespeito mesmo. Do abuso de situações que não vitimiza ou chora sobre si, mas propõe uma estratégia suja – imunda para outros tantos – para existir. Zuada orgulhosa de si que desce a porrada naquilo que estiver na sua fronte sabendo do preço a pagar por isso, e com o bônus sensacional em trucidar corpos no processo queimando-os vivos no caminho. O cheiro de carne queimada mantém o clima anti-profético e nada romantizado da fita, que merece não somente ser vista, mas engolida e vomitada sempre que possível. Óleo de peroba e foda pra caralho.

Texto integrante do Especial John Carpenter

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